Por: Isabela Valukas
Um relatório publicado pelo Núcleo de Estudos da Burocracia da Fundação Getúlio Vargas (NEB/FGV), pelo Centro de Estudos da Metrópole da Universidade de São Paulo (CEM/USP) e pelo Grupo de Estudos (In)Disciplinares do Corpo e do Território (Cóccix) apresenta o perfil de frequentadores da Cracolândia, na região central de São Paulo.
Foram entrevistadas 90 pessoas. Embora essa amostra não seja representativa — já que há mais de mil frequentadores no local, que é apenas uma das 72 cracolândias na capital paulista, segundo a Secretaria Municipal de Segurança Urbana —, as perguntas abrangem temas como contato familiar, atividades produtivas, número de internações, relacionamento com as forças policiais e expectativas em relação ao poder público.
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Entre os entrevistados, mais de 80% são homens negros, com idades entre 30 e 49 anos. Apesar de metade dos participantes afirmar manter contato com a família, quase 70% relatam dormir nas ruas e 40% dizem estar ali por vontade própria. A maioria declarou realizar atividades produtivas, com ênfase na reciclagem e na venda de objetos e serviços.
O uso de crack foi relatado por 90% dos entrevistados; os 10% restantes afirmaram consumir regularmente bebidas alcoólicas. Entre os participantes, 69% já foram internados, com alguns ultrapassando a marca de 30 internações. Para muitos, o período de internação em clínicas de reabilitação é visto como um momento de descanso e recuperação, após longos períodos vivendo nas ruas e consumindo drogas.
Os principais motivos para a desistência das internações incluem o término do prazo sem perspectiva de novas oportunidades, a abstinência, a falta de uma vida social — seja pela saudade da família ou pela vida nas ruas — e as más condições das instituições, especialmente em relação à medicalização, à falta de liberdade e às semelhanças com ambientes prisionais.
Outro ponto abordado no relatório é a relação dos frequentadores da Cracolândia com as forças policiais. A Inspetoria de Operações Especiais (IOPE) da Guarda Civil Metropolitana foi destacada como a força mais agressiva nos depoimentos, gerando medo e insegurança. “A gente não pode dormir nem comer”, relata uma das entrevistadas.
O coordenador do estudo, Giordano Magri, pesquisador da FGV, alerta que a situação pode se agravar com as mudanças propostas pelo poder público. “O aumento da presença policial e os esforços para trazer a sede do governo estadual ao centro podem intensificar o problema, afastando qualquer perspectiva de solução”, declara Magri.
A pesquisa indica uma adesão significativa às internações, mas destaca que essa medida, isoladamente, não é suficiente para que as pessoas abandonem o vício e saiam das ruas. Amanda Gabriela Amparo, uma das autoras do trabalho, ressalta que os dados contrariam o discurso dominante de que as pessoas não buscam ajuda. “Os dados mostram uma adesão relevante às internações, o que contraria a ideia de que as pessoas não querem se tratar”, pontua Amparo.
O cenário retratado pela mídia, marcado por agressões físicas, morais e sociais, culmina em episódios de violência, como arrastões e outras ocorrências similares. Amparo enfatiza que as ações atuais seguem na contramão de um modelo de intervenção positiva. Os tratamentos de saúde e assistência social têm falhado em impactar efetivamente a realidade dessas pessoas.
Esse tipo de levantamento é fundamental para compreender quem está em situação de dependência e quais condições e características predominam na Cracolândia. Além disso, relatórios como este são essenciais para orientar a formulação e implementação de políticas públicas na cidade. Em tempos de eleição, pesquisas como essa tornam-se valiosas para entender como as propostas dos candidatos se conectam com as realidades apresentadas.
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