Quem cuida de quem cuida? A luta invisível das mulheres periféricas

 Quem cuida de quem cuida? A luta invisível das mulheres periféricas

Por Fernanda matos

Em Osasco, uma mulher é assassinada e seu corpo jogado no rio Tietê. O caso, que virou estatística, expõe uma ferida aberta: a da negligência estrutural com a vida das mulheres periféricas. Elas que, desde cedo, aprendem a lutar por tudo, comida, educação, saúde, trabalho, e mesmo assim continuam invisíveis para o poder público.

A morte dessa mulher não começa no momento em que ela é assassinada. Começa quando a creche mais próxima não tem vaga. Quando o posto de saúde não oferece atendimento digno. Quando não há política de capacitação profissional ou abrigo seguro diante da violência. Quando a única presença do Estado é a viatura que chega tarde demais.

Viver ou resistir? A realidade de ser mulher, preta e periférica

A desigualdade no Brasil tem cor, gênero e CEP. No mercado de trabalho, mulheres negras ganham, em média, menos da metade do que ganham homens brancos. Mas o número não dá conta da exaustão. Em bairros como Jardim D’Abril, Quitaúna ou Rochdale, a falta de oportunidades soma-se a jornadas múltiplas e à insegurança cotidiana.

Essas mulheres cuidam de filhos, pais, casas e muitas vezes de outras famílias, como empregadas domésticas, cuidadoras, cozinheiras. Mas quem cuida delas?

Na periferia, ser mulher é crescer sabendo que a autonomia só vem com resistência. A lógica do sistema capitalista joga sobre essas mulheres a responsabilidade do cuidado, mas nega a elas o direito ao básico: saúde, tempo livre, acesso à informação e à justiça.

Dados que confirmam o abandono

Segundo o Atlas da Violência 2023, do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou mais de 1.300 feminicídios em 2021. A maioria das vítimas era negra e vivia em regiões periféricas.

Em Osasco, o “Estudo das Vulnerabilidades Sociais do Município” (2024) mostra que bairros da zona norte e sul acumulam indicadores preocupantes, alto número de mães solo sem rede de apoio, baixa renda per capita e deficiência em serviços públicos essenciais. O relatório, produzido pela Vigilância Socioassistencial do município, usa dados do CadÚnico para apontar onde as políticas públicas não chegam, ou não funcionam.

E mais: segundo o estudo “Piores Cidades Para Ser Mulher”, Osasco enfrenta desafios graves de desigualdade de gênero. A cidade está entre as que menos oferecem oportunidades equitativas entre homens e mulheres, especialmente no acesso ao mercado de trabalho e participação política.

A política que falha é também uma forma de violência

A violência contra a mulher não se limita à agressão física. Está na negligência. Está nas promessas de campanha que não se cumprem. Está nos centros de referência que não têm psicólogas ou assistentes sociais suficientes. Está nas creches que não existem e nas filas de espera para exames ginecológicos.

E mesmo assim, a resposta institucional costuma ser superficial. A política de segurança pública é reativa, chega depois que a violência já aconteceu. A política de saúde da mulher é burocrática, e os programas de assistência raramente dialogam com as reais necessidades das mulheres da quebrada.

Não é falta de dinheiro, é falta de prioridade.

Falar da ausência de políticas públicas para mulheres periféricas é também falar de um projeto político, um sistema que lucra com a precarização e o silêncio. Um Estado que se ausenta onde deveria estar mais presente.

As mulheres da periferia de Osasco não precisam de discursos. Precisam de creches, centros de saúde com atendimento digno, políticas de habitação, segurança de verdade e oportunidades reais de autonomia econômica.

Elas não querem mais sobreviver. Querem viver, com dignidade, direito à cidade e presença política. Porque não se trata de caridade, e sim de reparação histórica.

 

 

 

 

 

Fontes:

  • Estudo das Vulnerabilidades Sociais do Município de Osasco (2024) – PDF oficial da prefeitura
  • Atlas da Violência 2023 – Ipea e Fórum Brasileiro de Segurança Pública
  • Estudo “Piores Cidades Para Ser Mulher” – Tewá 225

Fernanda Matos Oliveira

Redatora

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