Os desafios diários de uma pessoa autista na periferia brasileira
O Transtorno do Espectro Autista (TEA), mais conhecido como autismo, é um transtorno neurológico que causa danos ao funcionamento social, acadêmico, profissional ou pessoal de um indivíduo.
Ele é percebido logo na infância, já que na idade escolar o autismo torna-se mais visível.
Algumas características são padrões de comportamento repetitivos e restritos, dificuldade em se comunicar e socializar, mas também possuem interesses em hobbies ou atividades específicas.
Muitos deles não falam, mas entendem tudo o que for dito, apenas não conseguem dizer com palavras o que sentem a respeito do que estão ouvindo.
Além disso, podem apresentar dificuldade para interpretar sinais não verbais em uma conversa e entender a linguagem corporal das pessoas.
No entanto, eles podem superar as outras pessoas em atividades visuais e auditivas, sendo melhores em testes de inteligência não verbais.
Eles frequentemente têm uma excelente memória, conseguindo se lembrar de coisas que leram há um bom tempo.
Porém, cabe ressaltar que nem todas as pessoas autistas são iguais. Existem características em comum entre eles, mas cada indivíduo é diferente.
Autismo na infância
Nessa fase, a criança passa por diversas mudanças, se desenvolvendo em diversas áreas.
Os pequenos crescem, desenvolvem sua personalidade e passam a se relacionar com as pessoas ao seu redor.
Mesmo que cada criança autista seja diferente, acaba enfrentando algumas dificuldades, podendo se sentir deslocada nas suas relações e na vida escolar.
Autismo na vida escolar
Nem todas as crianças autistas são gênios, mas isso não significa também que eles tenham algum problema intelectual ou menos potencial que os demais.
Contudo, existem algumas características que podem tornar a vida escolar mais difícil para as pessoas autistas, tais como:
Apresentar dificuldade em se relacionar com os professores e colegas;
Sentir-se desconfortável ao ser forçado para participar de brincadeiras e atividades em grupo;
Sentir-se incomodado com estímulos sensoriais, por exemplo, barulhos, iluminação, toques, dentre outros.
Também é comum que crianças autistas apresentam outras doenças como Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) que prejudica a capacidade de concentração.
Autismo na vida adulta
A passagem da adolescência para a vida adulta é difícil para muitas pessoas e com os autistas de grau leve, isso não é diferente.
Pessoas com esse transtorno, preferem ficar sozinhas na maior parte do tempo, mas essa tendência de isolamento não significa que o indivíduo não se sinta solitário em alguns momentos.
O autista pode ter dificuldade de dizer como se sente e que deseja. Para eles é difícil começar uma conversa e também mantê-la ao ponto de desenvolver uma amizade ou relacionamento.
Aqui, novamente o autista é afetado pelos estímulos sensoriais e pode ter sua vida social prejudicada por conta disso, já que, muitos dos ambientes frequentados possuem esse tipo de condição.
Nesse sentido, é comum que eles gritem, batam as mãos na cabeça e chutem uma parede, por exemplo.
Dessa forma, é necessário que a casa deles seja adaptada de acordo com as suas sensibilidades, para que o ambiente se torne seguro e acolhedor.
Eles também apresentam dificuldade para compreender sinais, o que a sociedade pode considerar que eles são seres ingênuos, por não entender piadas de duplo sentido, sarcasmo e ironia, por exemplo, coisas facilmente entendidas pelas pessoas no geral.
Além disso, as pessoas autistas podem ter hiperfoco, o que pode ser benéfico para o indivíduo quando esse é saudável, por exemplo, quando a pessoa usa isso para estudar.
Porém, ele pode afetar a capacidade da pessoa ter interesse por outros assuntos que não tenham ligação com o hiperfoco.
Isso em um relacionamento, pode ser mal interpretado e a pessoa que é o foco de interesse do autista, pode se assustar por receber uma atenção excessiva e considerar isso inadequado.
É nesse cenário, que a terapia cognitivo comportamental (TCC) pode ajudar o autista a tratar seus hiperfocos potenciais.
Características do Autismo
- Dificuldades na comunicação e na interação social
O indivíduo autista apresenta dificuldades para compartilhar suas emoções, mas também para interpretar a linguagem corporal.
Dessa forma, ele pode dizer algo inapropriado ou ofensivo por não entender, não conseguindo reconhecer se o outro ficou triste ou não.
A pessoa autista não gosta de contato visual, ela rapidamente desvia o olhar quando faz isso ou nem olha para o rosto do indivíduo com quem se está conversando.
Essas atitudes dificultam a criação de amizades e a adaptação do comportamento do indivíduo em diferentes contextos.
- Padrões comportamentais repetitivos
Alguns comportamentos comuns são agitar as mãos, estalar os dedos várias vezes, ordenar brinquedos e objetos pessoais, repetir palavras ou frases e separar alimentos no prato.
Essas práticas não devem ser reprimidas pelos pais ou demais familiares, pois elas ajudam a controlar as emoções negativas como o estresse.
Quando as pessoas autistas se sentem sobrecarregadas, podem agir dessa forma para se sentir melhor.
No entanto, para a família pode ser desafiador lidar com esses comportamentos em ambientes sociais.
Dessa forma, é necessário que a família compreenda que essas ações são essenciais para a construção de uma convivência harmoniosa.
Se elas sofrerem mudanças nas suas roupas, tradições familiares ou até mesmo nas refeições, podem ter ansiedade por conta disso.
Se algo não está no lugar certo, eles se preocupam e necessitam de mais tempo para se adaptar às mudanças inesperadas.
Como identificar o grau de autismo
Baixa funcionalidade: interagem muito pouco. Normalmente repetem os movimentos e possuem retardo mental, necessitando de tratamento durante toda a vida.
Média funcionalidade: apresentam dificuldade para se comunicar, não conseguem olhar nos olhos das outras pessoas e repetem comportamentos. Aqueles que estão nesse grupo são os autistas clássicos.
Alta funcionalidade: possuem as mesmas dificuldades dos demais, mas em grau leve. Esses conseguem trabalhar, estudar e formar família tranquilamente.
Síndrome de Savant: mais ou menos 10% das pessoas autistas se encontram nessa categoria, caracterizada por déficits psicológicos. No entanto, eles possuem uma ótima memória.
Tratamento
É importante que o indivíduo inicie um tratamento se possível ainda nos primeiros anos de vida, pois aí será mais fácil para a criança superar os desafios provenientes do autismo.
Mas, para isso é preciso ficar atento aos sinais que a criança dá e levá-la ao médico pediatra ou neurologista, para que ele, junto com psicólogo, fonoaudiólogo e demais profissionais, possam fazer o diagnóstico certo.
Desafios diários enfrentados pelas famílias
As crianças ao fazer o tratamento, também é fundamental que as famílias apoiem e estejam ao lado deles ao longo de toda a vida.
- Acesso ao suporte e serviço apropriado
Isso é um desafio para as famílias com indivíduos autistas. Encontrar profissionais com experiência e os devidos recursos para o diagnóstico, avaliação e terapias especializadas pode ser um processo complicado e demorado.
Sem esse suporte, pode impactar o desenvolvimento e a qualidade de vida das pessoas com transtorno do espectro autista, mas isso também pode causar estresse na família.
- Falta de compreensão
As famílias autistas podem enfrentar muitos julgamentos, discriminação e até exclusão social.
A sociedade ainda tem muita dificuldade em conviver com pessoas autistas por não entender de fato do que se trata esse transtorno.
Autismo não é contagioso, é uma doença que afeta principalmente o desenvolvimento social do indivíduo, mas nem por isso, eles devem ser descartados ou deixados de lado.
São pessoas muito amorosas que exigem alguns cuidados a mais sim, mas nada que um pouco de sensibilidade, gentileza, compreensão e respeito não possam resolver.
- Falta dos pais
Muitas mães acabam criando seus filhos sozinhas, pois alguns pais a partir do momento que descobrem que seus filhos têm autismo, abandonam ela e a criança.
Isso se dá pois existem homens que não conseguem lidar com essa responsabilidade e as pressões que o autismo requer.
Nesse cenário, as mães sozinhas acabam enfrentando várias dificuldades, desde financeiras, sociais, educacionais além de não receberem muito apoio de programas sociais e recursos para o desenvolvimento da criança.
- Discriminação por parte dos familiares
Algumas crianças acabam enfrentando preconceito dentro da própria família recebendo um tratamento diferente pois são vistos como “os coitadinhos” ou como se esse transtorno fosse contagioso.
Essas atitudes tornam o autista mais introspectivo e tornam mais difícil ainda a socialização.
Dicas para ter uma boa convivência
- Seja gentil
É muito importante usar a comunicação não violenta com as pessoas autistas. Dessa forma, antes de ficar irritado com elas, coloque-se no lugar em que estão para tentar entender como se sentem.
Imagine que eles vivem em um mundo que não conseguem entender totalmente, onde apenas algumas coisas tem sentido e deixam eles alegres o que lhes traz segurança por um curto período de tempo.
E aí no restante dele, você precisa conviver obrigatoriamente com pessoas, cheiros, sons, trabalhos, atividades e rituais que você não gosta.
Como você se sentiria? Como seria a sua vida nesse contexto?
Por isso, seja gentil não somente com os autistas, mas também com todas as demais pessoas.
Nós nunca saberemos completamente o que elas estão sentindo e como é estar na pele delas, apenas temos uma ideia das dificuldades que enfrentam.
- Tenha paciência
Não brigue, pense no que vai falar, como vai agir e faça isso com calma e tranquilidade.
Se você gritar com o autista, isso pode prejudicar ainda mais o seu relacionamento com ele.
Nem todo mundo nasce paciente, ainda mais nos dias atuais.
Porém, procure exercitar essa habilidade diariamente para conseguir aplicar nas diversas áreas da sua vida.
- Tenha compreensão
Procure entender as diferenças da sua forma de pensar e agir e as do indivíduo autista. Assim, construa um ambiente seguro para que ele possa se sentir bem quando está com você.
Escute e observe essa pessoa com atenção para conseguir entender os sinais enviados por essa pessoa para que assim, a comunicação entre vocês aos poucos melhore.
- Dê espaço para o autista quando for preciso
A pessoa autista gosta da solidão e precisa dela para descansar. Elas se sentem bem com o silêncio e se divertem com isso.
Além disso, os pais podem comprar ou adotar um animal de estimação dócil. Esse, irá ajudar o indivíduo a melhorar a suas habilidades sociais e acalmar a pessoa, funcionando como uma terapia.
- Expresse seu incômodo de forma delicada
Se você se sentir mal, ofendido, desconfortável ou algo do tipo, converse com o autista. Explique e expresse o que está sentido com paciência, gentileza e sensibilidade o motivo pela qual a atitude dela está errada.
Não demonstre irritação, agindo com cautela e respeito. É importante salientar que os autistas percebem quando você está falando delas ou zombando das suas ações.
- Estude sobre o autismo
Procure saber como o autismo afeta a vida das pessoas, o que lhe deixa feliz, ansioso, quais são as suas forças e dificuldades, bem como acerca do seu comportamento.
Dessa forma, você conseguirá mudar atitudes suas para não confundir as pessoas autistas, melhorando o relacionamento entre vocês.
Tenha uma rotina diária, isso será muito benéfico para vocês e inclusive ajudará o autista na sua vida adulta.
Algo que você pode fazer é criar um quadro de horários para que você saiba o que precisa fazer e quanto tempo vai levar para concluir aquela tarefa, o que ajuda também o autista, já que eles são seres visuais.
- Procure por ajuda profissional
Na terapia, você pode conversar sobre esse assunto para tentar saber mais sobre o autismo, além de trabalhar as suas emoções e pensamentos a respeito disso.
Pode-se realizar também terapia familiar com você e o autista, para que juntos consigam expressar o que sentem e chegar a um acordo sobre como devem se dirigir um ao outro.
O que você nunca deve dizer para um autista
- Frases como “Você não parece autista” e “Você não tem cara de autista”
O que isso significa, ter cara de autista ou se parecer com um? Isso é totalmente insensível. Frases como essas diminuem os desafios diários que essa população e seus familiares enfrentam, ofendendo eles e os tornando inferiores ao que realmente são.
O autismo possui diferentes características que podem estar ou não presentes, e como já dissemos anteriormente, nenhum deles é igual.
- Perguntas como “Você é mais inteligente que as pessoas normais?”
Nem todo o autista é um gênio, e pensar isso, é errado, pois estima-se que somente 10% deles tenham capacidades intelectuais acima da média.
E o que significa ser “pessoas normais”? Significa que ser autista ou diferente das pessoas é anormal? Então todos nós seríamos seres incomuns, pois todos somos diferentes de alguma forma.
Legislação
A Lei n° 12.764, de 27 de dezembro de 2012, garante para as famílias de baixa renda possam ter atendimento de diferentes profissionais multidisciplinares, a disponibilização de um mediador escolar ou assistente terapêutico para acompanhar o estudante autista.
Todos esses recursos são ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, a lei garante um auxílio financeiro para as famílias dos autistas através do Cadastro Único, recurso que pode ser solicitado em uma das unidades do INSS.
Inclusive os planos de saúde devem cobrir o tratamento para seus associados, incluindo se o neurologista do indivíduo com TEA indicar terapias diversas.
A partir dessa lei, o autista é comparado com uma pessoa com deficiência (PCD), mesmo que não seja um.
Mas por esse motivo, ambos possuem os mesmos benefícios, ou seja, eles têm direito a vaga de estacionamento preferencial, passe livre, isenção de impostos, dentre outros.
Exemplo real: Temple Grandin
Caso você tenha interesse em saber mais sobre esse assunto, recomendamos que assista o vídeo da Temple Grandin, clicando aqui.
Essa mulher é bióloga, Ph.D. em zootecnia e professora na Universidade Estadual do Colorado, Estados Unidos.
Ela também é escritora dos livros “Cérebro Autista”, “Thinking in Images” (Pensando em imagens, em tradução livre) e “Uma menina estranha”, uma autobiografia que já é filme.
Quando era criança, não falava até os três anos e meio de idade.
Foi então que ela foi diagnosticada com autismo, e no vídeo acima, ela explica um pouco sobre como a sua mente funciona.
Referências:
https://www.vittude.com/blog/dicas-conviver-pessoa-autista/ Acesso em 23 de ago. de 2023.
https://www.autismoemdia.com.br/blog/autismo-leve-vida-normal/ Acesso em 23 de ago. de 2023.
https://www.vittude.com/blog/autismo/ Acesso em 24 de ago. de 2023.
https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2023/06/5103192-desafios-e-conquistas-dos-autistas-sao-tema-de-acao-no-distrito-federal.html Acesso em 24 de ago. de 2023.
https://salzclinica.com.br/desafios-maes-de-criancas-autistas/ Acesso em 27 de ago. de 2023.
https://institutoneurosaber.com.br/5-desafios-comuns-do-tea-experiencias-de-pessoas-autistas-e-suas-familias/ Acesso em 27 de ago. de 2023.