Por Kleber Miranda
“Eu sou a primeira da minha família de artistas a viver da minha arte e me reconhecer artista”. A escritora e arte educadora Naia Curumim transforma sua vida aguerrida e o caminho trilhado por seus ancestrais em sua carreira profissional, ao operar vendas de seus livros sobre suas vivências como mulher trans na periferia.
A poetisa dos slams de Carapicuíba tem 23 anos, e transformou sua habilidade de disputa de poemas de rua em duas obras que contam sua luta, tanto evidenciando a guerreira que é, quanto suas cicatrizes.
O livreto “Manifesto Transmarginal” foi a primeira obra publicada de Naia, com selo da editora de livretos Instituto Aula Viva. Este foi escrito com intenção de colocar em “evidência máxima” a vivência das mulheres trans e da da própria escritora, como ela acentuou.
“O tema do Manifesto Transmarginal é a vivência da travesti cabôca, da travesti favelada, explanada de forma cultural, de forma que cause desconforto, de forma inegável. São poesias onde eu falo de amor, de política, de espiritualidade, de ancestralidade, sempre com enfoque na denúncia”, explica.
E durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2023, Naia Curumim lançou seu livro, intitulado “Brumas Leves para Peitos Pesados”. O suporte maior fez com a que a poetisa pudesse voltar a tratar dos temas de forma mais expansiva, mas seu novo trabalho trouxe à tona a vulnerabilidade daquela lutadora que podia parecer inabalável em suas superações contadas.
“Para mim é muito importante porque, inevitavelmente, eu sou sim uma guerreira, e também admiro a minha força, mas se existe só essa admiração a minha força, não se enxerga o meu cansaço, o meu luto, minhas cicatrizes, as minhas feridas”, justifica a escritora.
Nascida e criada em Carapicuíba, Naia vem de uma família migrante do Nordeste, com raízes indígenas em Alagoas e Bahia. Sua infância foi marcada pela vida na favela da Savoy, em uma ocupação, que veio a sofrer com duas reintegrações de posse violentas.
A tragédia atingiu sua família quando seu pai foi assassinado, forçando sua mãe, suas irmãs e a futura escritora a se mudarem para a casa da avó materna. “Meu pai foi assassinado com 19 tiros, então a gente teve que sair também da quebrada onde a gente morava por questão de segurança”, conta.
A dependência química da mãe e a falta de condições para cuidar dos filhos resultaram em uma infância de fome e violência, até que Naia e suas irmãs foram adotadas pelos avós paternos.
Seus avós eram evangélicos e a garota Curumim sempre foi uma criança trans, então após conflitos com a família, ela saiu da nova casa aos 14 anos, e passou a ter uma vida de ainda mais dificuldades e sem perspectivas. “O único espaço que eu me imaginava era a prostituição, até ficar um pouco mais velha”, revela.
Ela trabalhou em diversas atividades informais, como vender bolos e churros na rua por exemplo. Mas então aos 20 anos, enquanto trabalhava como agente comunitária de saúde no SUS, ela descobriu o slam através do Instagram.
Inspirada por poetisas de rua, Naia criou um slam em sua cidade e começou a se destacar na cena de poesia falada. “Eu vi outras poetisas de quebrada, de rua, fazendo as suas rimas, as suas poesias, parecidas com a forma como eu me expressava também. E aí eu me entendi poeta”, diz.
Hoje, Naia Curumim é uma figura reconhecida na poesia slam, participando pelo terceiro ano consecutivo do Campeonato Estadual de Poesia Falada e essa experiência abriu seu caminho na arte.
Mesmo trilhando um caminho bem sucedido no mundo literário, Naia ainda tem sua renda provinda de diferentes fontes, desde a venda de seus livros, pinturas e artes plásticas de mão em mão, até os convites para feiras literárias e eventos culturais, através de sua habilidade como poetisa.
Mas a atividade que mais brilha os olhos da artista é usar suas habilidades na educação. Mesmo sem uma graduação formal na área, Naia afirma que grande parte de sua formação como artista e pesquisadora vem da rua.
“Poder trazer isso de uma forma griô, poder falar de ‘ruologia’ é uma coisa que eu gosto muito, e ver o resultado disso dentro das escolas, quando eu dou as minhas formações em gênero e sexualidade, quando eu dou as oficinas de escrita, é uma coisa que eu gosto muito e pretendo investir”, afirma.
O próximo trabalho de Naia Curumim inclusive é um guia educativo sobre gênero e sexualidade para crianças e idosos, e ela declara que a educação é a área que mais pretende e deseja expandir.
Mas suas obras hoje já refletem as lutas e conquistas de uma mulher trans na periferia:
“saindo de casa muito cedo, enquanto uma travesti cabôca, tendo que cortar os laços com as referências familiares, sendo violentada pela transfobia e pelo racismo de diferentes formas na escola desde pequena, nos cursos, no mercado acadêmico, nas áreas acadêmicas, no mercado de trabalho. O que nos sobra, o que nos é designado é a rua. Tanto que eu costumo dizer que travesti é mojubá. Mojubá é saudação ao povo da rua, e nós somos um povo da rua também. Então, a minha relação com a periferia é essa, de cria, de ser criada e de ser criadora.”
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