O dilema da saúde mental na periferia
Por Isabela Tota
Segundo o Art. 196 da Constituição Federal, a saúde, incluindo o cuidado à saúde mental, é um direito de todos e um dever do Estado, garantido por meio de políticas sociais e econômicas que visam a redução do risco de doenças e outros agravos. No entanto, essa não é a realidade em muitas regiões periféricas, onde o acesso a consultas psicológicas, por exemplo, é dificultado, seja pela alta demanda que o sistema não consegue suprir ou por outras questões.
Aparecida de Jesus, de 57 anos, moradora de Quitaúna, em Osasco, conta que enfrentou problemas com o horário das consultas psicológicas: “O horário que eles tinham era às 8h da manhã, e eu preciso estar no trabalho. Ou eu trabalho, ou vou ao psicólogo. (…) Então, é preciso ter um diferencial de horário. Não consegui fazer pela rede pública exatamente por causa desse negócio de horário.”
Além da questão dos horários, que muitas vezes coincidem com o expediente de trabalho, outro obstáculo ao acesso à terapia é o tempo de espera. Devido à grande procura por ajuda psicológica e psiquiátrica, o tempo para iniciar o tratamento é longo. “Fiquei numa fila imensa, porque demora e é cansativo. E, quando finalmente consegui, o horário não batia”, conclui Aparecida.
Laila Evangelista, de 31 anos, também está esperando na fila a alguns meses já: “Tem mais ou menos uns oito meses que eu estou na fila de espera, porque a primeira crise que eu tive foi em fevereiro, e foi quando eu procurei o postinho e falaram que não tinha psicólogo pelo posto” relata a moradora de Osasco.
De acordo com um estudo epidemiológico, a prevalência de depressão ao longo da vida no Brasil gira em torno de 15,5%, evidenciando a alta demanda por cuidados de saúde mental. Na rede de atenção primária à saúde, esse índice é de 10,4%, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso mostra que uma parcela significativa da população que busca atendimento no SUS enfrenta questões de saúde mental, muitas vezes associadas a transtornos físicos.
Essa alta prevalência, somada à falta de profissionais e à sobrecarga do sistema, torna o acesso ao tratamento ainda mais difícil, especialmente em áreas periféricas, onde a população não tem outras alternativas, como pagar por uma consulta particular. “Eu pago aluguel, água e luz, e há várias outras contas necessárias para minha sobrevivência. Se eu pagar uma consulta com um psicólogo particular, o valor é igual ao do meu aluguel. Então, preciso escolher entre morar ou me cuidar. É difícil”, lamenta Aparecida.
Uma alternativa que Aparecida encontrou foi a terapia voluntária, oferecida pelo projeto Base: “Estou passando com o Dr. Davi, que atende gratuitamente. Não sei por quanto tempo ele poderá continuar comigo, já que faz parte do projeto. E ainda tem esse negócio de ficar trocando de psicólogo toda hora, o que também não é agradável. Não pode fazer isso”. Essa interrupção na continuidade do tratamento pode prejudicar os pacientes, como aponta a própria Aparecida.
O mesmo ocorre com Laila, que relata que está sendo atendida por psicólogos do mesmo projeto, mas precisa de um acompanhamento por mais tempo: “O do projeto não vai ser sempre, né? Eu já estou perto de terminar as sessões, no caso e eu preciso de um acompanhamento. Mas eles falaram que não tem (no postinho) e eu não tenho como pagar psicólogo”.
O direito à saúde mental deveria ser uma garantia constitucional, mas, na prática, continua sendo um privilégio acessível a poucos. A realidade de Aparecida e Laila reflete a de muitos brasileiros que enfrentam desafios não só para obter o tratamento adequado, mas também para conciliá-lo com as demandas do dia a dia. A falta de acessibilidade, seja por horários, filas de espera ou custos, transforma a busca por saúde mental em um fardo adicional. Sem uma mudança estrutural nesse serviço, esse direito continuará distante para a população mais vulnerável.