Por Carolina Fernandes
Romper os limites impostos pela sociedade e falar com convicção sobre os lugares que se deseja alcançar, sejam eles quais forem, é uma realidade ainda distante para os grupos minoritários no Brasil.
As oportunidades são desiguais para aqueles considerados diferentes, seja pela raça, classe social, gênero ou orientação sexual. O sangue e o suor se misturam e às vezes nem isso basta.
Mas é importante saber e conhecer, dar voz e entender os caminhos daqueles que conseguiram transpor esses limites, porque a voz das ruas, dos becos e vielas é a representatividade.
Por isso, nesta série de matérias, vamos contar histórias e conhecer casos de sucesso de pessoas que lutaram pela melhoria de vida, pelo lugar de fala e por si mesmos, contra tudo e todos.
A história de várias mulheres pretas se misturam e se perdem no mesmo lugar: o de apagamento. É um ciclo de opressão estruturalmente estabelecido, de frustração e angústia. Por isso, é essencial lembrar, dar nome a essas mulheres e fazê-las serem reconhecidas pelo que são: força e coragem.
E assim, a história da Milena Jesus dos Santos começa antes mesmo do seu nascimento, em Salvador-BA, quando sua mãe, Maria José Jesus dos Santos, empregada doméstica, deixou sua terra natal ainda muito jovem para acompanhar a filha recém-casada de seus patrões com destino a Porto Alegre-RS, onde passou a residir.
Já em Porto Alegre, através de um concurso público, Maria José passou a ser cozinheira do estado, função que exerceu até sua morte, em 2020.
Maria José, que concluiu os estudos apenas quando Milena era criança, possuía um grande conhecimento de vida, construiu ótimas relações e foi responsável, com todas as dificuldades, por abrir os caminhos de sua filha e ensiná-la com amor.
Filha única de mãe solo, Milena, natural de Porto Alegre, sempre foi incentivada a estudar, aprender línguas e se destacar. Como mulher preta, sua mãe via isso como indispensável.
Começou a trabalhar ainda adolescente, aos 14 anos, e passou por vários lugares e oportunidades que sua mãe conseguia. Ao terminar o ensino médio, ingressou na faculdade de Letras com habilitação em Inglês, trabalhando enquanto estudava para poder pagar a faculdade.
Após sua formação, continuou em alguns trabalhos, a maioria de atendimento ao público, onde aconteceram casos de racismo e outras situações que a afetaram psicologicamente.
Até o momento em que ingressou numa empresa de tecnologia, ela passou por momentos muito difíceis a ponto de ter um burnout. Saindo da área de produção, Milena conseguiu uma oportunidade e deu início a sua carreira em tecnologia, aos 30 anos, na área de T.I e projetos, como analista de negócios.
Hoje, aos 35 anos, Milena trabalha como analista de requisitos numa grande empresa em Brasília, onde reside com sua esposa Aline.
Apesar de todas as dificuldades de ser uma mulher na área de T.I, ela continua empenhada para que seu trabalho seja reconhecido.
Com o falecimento da mãe, Milena se viu em um momento muito difícil. Precisou lidar com o alcoolismo, que se intensificou nesse período, e uma crise de bipolaridade, chegando a tentar suicídio.
Após alguns dias internada para tratamento psiquiátrico, ela saiu da clínica decidida a se reerguer e mudar seus hábitos e sua vida. O que faz até hoje.
Aos jovens, pessoas que estão começando agora e não têm tantas oportunidades, mas querem conquistar muitas coisas, ela diz: “Se voltem para a família, tenham uma rede de apoio, encontrem seu lugar nesse mundo, algo que lhes faça minimamente feliz, e partam daí. A vida pode ser bonita demais quando a gente não esconde nossa verdade.”
Mulher preta, bissexual, Milena Jesus dos Santos, além dos rótulos, é alguém que trilhou e continua trilhando um caminho só dela, onde sua verdade e identidade são o que a regem.
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Lindo texto, parabéns às duas!!!