Lixo nas favelas: recicle, reutilize e reduza
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Lixo nas favelas: recicle, reutilize e reduza
De acordo com a Agência Brasil, são produzidos, em todos os anos, cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos no país. Metade das cidades brasileiras ainda não tem política de reciclagem ou aterros sanitários, e apenas 4% do lixo é reciclado ou reaproveitado. Esse problema é ainda mais complicado nas favelas, devido à ausência dos serviços de saneamento básico, limpeza pública e coleta de lixo. O lixo não tratado aumenta a proliferação de insetos e ratos.
A maior parte dos resíduos são descartados em lixões a céu aberto, terrenos baldios, jogados em rios ou descartados ao ar livre. Esses resíduos entopem os bueiros, impedindo o escoamento das chuvas, ou vão parar em córregos, causando enchentes e disseminando doenças. Os resíduos também são levados para rios e oceanos causando grandes prejuízos ao meio ambiente.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a população mundial deverá atingir a marca de 9,7 bilhões de habitantes até 2050; e tendo em vista que os recursos naturais são escassos e limitados, mais do que nunca é importante repensarmos nosso jeito de nos relacionarmos com o meio ambiente, desenvolvendo práticas sustentáveis que garantam a melhoria da qualidade de vida e sobrevivência das próximas gerações.
Problemas causados pelo lixo
O governo instituiu através da Lei nº12.305 o tratamento dos resíduos sólidos, que prevê a eliminação dos lixões e a inclusão social e econômica dos catadores de reciclagem. Os lixões estão sendo substituídos por “aterros sanitários”, que causam menos danos ao meio ambiente, pois contam com a impermeabilização do solo para evitar contaminação da terra e do lençol freático: os detritos são recobertos com uma camada de terra para evitar proliferação de pragas; o lixo em decomposição produz um líquido fétido conhecido como “chorume”; essa substância é drenada; o gás metano é queimado e o resto transformado em energia elétrica.
Os aterros poderão ser transformados em parques públicos, no entanto, por ora, a entrada de pessoas nos aterros é controlada para evitar acidentes com materiais perfurocortantes.
Já o lixo que não é tratado adequadamente causa sérios danos às pessoas e ao meio ambiente. Os lixões a céu aberto contaminam o solo. Por não haver vigilância, muitas famílias menos favorecidas invadem essas áreas para garimpar sobras de alimento ou procurar materiais que possam ser revendidos. Além do risco de ferimentos graves e de contaminação, o retorno financeiro é quase nulo se comparado ao lucro gerado pelas cooperativas de reciclagem.
As cooperativas de reciclagem: como funcionam e como criar
Uma importante função para preservação do meio ambiente e para geração de emprego são as cooperativas de catadores de lixo e coleta de material reciclável. De acordo com o jornal Brasil de Fato, cerca de 281 mil pessoas exercem essa atividade no Brasil. Personagens quase invisíveis na sociedade têm o importante papel de coletar, separar, prensar e reinserir o lixo, que seria destinado aos aterros, novamente na cadeia produtiva. Isso é o que chamamos de “economia circular”. Através da reciclagem, os recursos do meio ambiente, que são limitados, podem retornar ao ciclo produtivo gerando empregos para a população de baixa renda.
De acordo com o SEBRAE, uma cooperativa é um modelo de negócio sem dono e sem patrão. Além de ser uma ótima oportunidade para reciclar o lixo, ela também oferece oportunidade de emprego para pessoas que estavam excluídas do mercado de trabalho, como indivíduos com baixa escolaridade, em situação de rua, ex-usuários de drogas, ex-detentos ou qualquer outra pessoa que precise de uma chance para recomeçar a vida.
Esse modelo de negócio é formado por pessoas e não por capital, desta forma, todos têm direito a um voto, indiferente de quanto capital tenha investido, permitindo a todos os membros compartilhar investimentos, riscos e resultados. Montar e administrar um negócio sozinho pode ser complexo e caro, mas quando várias pessoas se reúnem para criar uma cooperativa, as responsabilidades e os lucros (sobras) são divididos entre todos os membros.
Para criar uma cooperativa é preciso encontrar pelo menos outras 20 pessoas que também estejam interessadas em participar do negócio por adesão voluntária. Criar reuniões para capacitar e instruir os funcionários operacionais e os dirigentes. O SEBRAE oferece treinamento e orientação às pessoas que desejam ingressar nesse ramo de atuação. Com o grupo qualificado, se organiza uma assembleia de constituição para formar os conselhos administrativos, diretoria, executiva e conselho fiscal. Depois devem ser definidos os deveres e direitos, a composição do quadro de funcionário e o estatuto social. Para formalizar a cooperativa junto aos órgãos competentes, é preciso inscrever o negócio na Junta Comercial, Receita Federal, órgãos específicos de controle de cada setor e órgãos representativos do cooperativismo. Depois de finalizada a parte burocrática, é possível comercializar produtos e serviços e emitir notas fiscais.
Para expandir o negócio, é possível firmar parcerias com outras cooperativas ou até mesmo com empresas que trabalhem em áreas correlatas (desde que não sejam concorrentes) como empresas de compostagem, tratamento de resíduos orgânicos, empresas que compram plásticos, papel ou alumínio para reciclar, empresas que não sabem para onde direcionar seus resíduos, instituições de treinamento e formação de funcionários para criar um ecossistema de negócio que fortaleça toda cadeia de produção. Também é importante pensar em formas de contribuir para o desenvolvimento da comunidade e preservação da área do entorno, ajudando na conscientização dos moradores e educação das crianças sobre preservação ambiental.
A Lei Federal 5764 também institui a prestação e assistência técnica, incentivos financeiros e créditos especiais a entidades cooperativas. Para quem procura mais informações, o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado de São Paulo – SESCOOP-SP também fornece assessoria jurídica e contábil as entidades.
Microplástico, um poluente invisível
O lixo que não é reciclado, acaba caindo em córregos e canais e se acumula nos oceanos. A quantidade de plástico encontrada é assustadora, no Oceano Pacífico foi detectada uma “ilha” com mais de 1,6 milhões de quilômetros quadrados formada por resíduos plásticos flutuante, para se ter uma ideia, esta extensão equivale ao triplo do tamanho da França.
Várias organizações não Governamentais (ONGs) se esforçam para salvar pássaros e animais marinhos que são encontrados com materiais presos nos bicos ou nas nadadeiras. Pelicanos, aves litorâneas ou baleias também se tornam alvos fáceis. Segundo dados do Projeto Tamar, as tartarugas confundem o plástico com água vivas e acabam morrendo engasgadas. Muitas dessas espécies já estão em extinção devido a pesca predatória, e a poluição prejudica ainda mais esse ecossistema.
Atualmente, toda a atenção está voltada para o impacto do microplástico no meio ambiente. Esses minúsculos pedaços de plástico, de tamanho inferior a 5mm, se dispersam facilmente nas águas e podem ser encontrados em toda parte: nas plantas, nos alimentos e até mesmo na nossa corrente sanguínea. Os impactos do plástico no nosso organismo ainda são desconhecidos, mas pesquisas indicam que substâncias como o propileno produz toxinas que podem causar lesões pulmonares e até câncer.
Pesquisadores ainda buscam soluções viáveis para extrair os microplásticos, algumas ideias usam microbolhas para filtrar a água e extrair as quase 2,3 milhões toneladas dos oceanos. Contudo, o processo é lento e caro. A forma mais inteligente de conservar os recursos naturais ainda é a reciclagem e o consumo consciente.
ESG – Governança e responsabilidade ambiental e social
Praticamente todos os produtos industrializados são comercializados em embalagens (plásticas, alumínio ou vidro), mas poucas empresas têm se mostrado preocupadas com o impacto social causado pelos resíduos gerados. O vidro, pode demorar até 10.000 mil anos para se decompor, o alumínio 250 anos e o plástico de 450 a 500 anos. Existem mais de 20 tipos diferentes de plásticos e a maioria pode ser reciclada e reinserida na cadeia produtiva. É o que chamam de economia circular, uma forma mais eficiente de usar os recursos naturais, otimizando os processos de fabricação para reduzir o uso de matéria-prima virgem, dando preferência a insumos recicláveis ou retornáveis. Uma garrafa de refrigerante, por exemplo, pode demorar meio século para se decompor, mas quando reciclada pode ser reaproveitada em até 12 vezes, criando postos de trabalho e gerando renda. O consumo consciente tem forçado as empresas a implementarem práticas de responsabilidade ambiental e social em seu processo de produção.
ESG é a sigla de “Environmental, Social and Governance” que em português representa os princípios de “Governança e responsabilidade ambiental e social”. Este é um conjunto de práticas que incluem estrutura corporativa ética, que respeite a diversidade social, respeito ao meio ambiente e comprometimento com o desenvolvimento sustentável.
Esse conceito surgiu em 2004, com um relatório da ONU escrito por Kofi Annan às cinquenta maiores instituições financeiras do mundo. Em 2020, Larry Fink, o CEO da empresa americana BlackRock, conhecida por ser a maior gestora de recursos financeiros do mundo (gerenciando cerca de 7,2 trilhões de dólares) escreveu uma carta onde apresentava os riscos de investimento gerados com as alterações climáticas e seus impactos no crescimento econômico mundial, e propôs a seus clientes que incluíssem o conceito de ESG em seus negócios. Este ano, o conceito foi amplamente discutido no mundo corporativo após entrar para a Agenda 2023 da ONU.
Por esta razão, muitas empresas têm realizado o processo de “engenharia reversa”, ou seja, receber de volta os resíduos para tratar e reinserir no sistema produtivo. A Boticário, por exemplo, recebe em suas lojas embalagens de cosméticos de qualquer marca e encaminham para o tratamento correto. Esse material é transformado em blocos que são destinados à construção de escolas. De acordo com o site Valor Econômico empresas como a Dove passará a utilizar plástico 100% reciclado, e a Nestlé planeja, até 2025, usar 100% de plástico descartável em todos seus produtos. A Unilever reduzirá, até 2050, o uso de plástico pela metade, além de focar em embalagens reutilizáveis com refis. A Brasken produziu uma fibra de tecido a partir de plástico descartável. A Lego recolheu peças de brinquedos velhos, higienizou e doou a instituições de caridade. A Converse criou a linha de tênis All Star “Renew Canvas” feita com garrafas pet e poliéster 100% reciclado. A Caixa Econômica também desenvolve um projeto de treinamento, ensinando os catadores como desmontar e vender os resíduos eletrônicos como computadores velhos, pois a venda dos componentes separadamente gera mais lucro do que se vender apenas o metal pelo peso. Como vimos, é possível reinventar o consumo, reciclando, reutilizando e reduzindo os resíduos.
Materiais recicláveis também podem ser transformados em diversas coisas, utilizados para fazer artesanato e até mesmo obras de arte. Um exemplo é o artista plástico Vik Munis, que teve grande difusão de suas obras após aparecer na abertura da novela “Passione”, exibida pela Rede Globo de televisão no ano de 2010.
Todas essas formas de expressão empoderam as pessoas das comunidades e levam cultura e entretenimento ao povo da periferia. Esta é uma prova que a conscientização dos adultos e a educação das crianças devem ser voltadas para transformarmos o nosso modo de vida, pensando sempre em um modelo mais sustentável.
Reciclagem – Foto: designed by Freepik
Como ser parte da solução
Ajudar a combater o lixo nas favelas é muito simples, e qualquer pessoa pode ajudar, basta mudar alguns pequenos hábitos como:
– Separe o lixo, mesmo que não haja lixeiras específicas tente deixar o lixo seco separado do orgânico. Isso facilita muito o trabalho dos catadores. Deixe o que for de vidro em uma única sacola identificada, isso evita que os lixeiros e catadores se machuquem.
– Reaproveite embalagens de vidro para guardar temperos ou preparar compotas. Potes plásticos também podem ser reaproveitados, tanto para armazenar comida como ajudar na organização de armários.
– Potes maiores também podem ser utilizados como vasos de plantas. Garrafas de plásticos também podem ser utilizadas como fonte de irrigação de vasos maiores, basta fazer um pequeno furo no fundo e na tampa. E a água vai gotejar lentamente. Esta é uma ótima dica para quem vai viajar e não tem quem cuide do jardim.
– Garrafas de vidro são usadas na construção e decoração das paredes de casas ecológicas. Também podem ser cortadas, sendo transformadas em copos. Long Necks podem ser pintadas e utilizadas como castiçais para velas.
– Garrafas plásticas de dois litros, cheia de água e um pouco de alvejante, podem funcionar como uma lâmpada equivalente a 60w durante o dia. Para fazer, basta deixar metade da garrafa para o lado de fora e a outra do lado de dentro. A luz solar incide na água e ilumina locais fechados.
– Anéis de latas de refrigerantes podem ser utilizados em artesanatos para confecção de bolsas, bijuterias e artigos de decoração. Na Internet é fácil achar diversas opções e o passo a passo para fazer.
– Outra forma de transformar o plástico em benefício à sociedade é doar as tampinhas de refrigerante para projetos sociais que convertem o valor arrecadado para Ongs.
– Para quem gosta de soltar a imaginação, garrafas Pets podem ser transformadas em brinquedos ou até mesmo em instrumentos musicais de percussão. Quem tem crianças em casa, podem criar atividades lúdicas e criativas que não gastam muito e que auxiliam no desenvolvimento pedagógico.
– Evite deixar sacos de lixo em locais onde cães podem rasgar e espalhar os detritos. Tente deixar em locais mais elevados ou coloque o lixo para fora apenas próximo ao horário da coleta.
E o mais importante, não jogue lixo nas ruas e nas vias públicas. A melhor forma de viver em uma cidade limpa é mantendo-a limpa. Se cada um fizer a sua parte, todos teremos um lugar melhor para viver.