Cultura é direito, mas não chega às bordas.
Por Fernanda Matos
Apesar de ser um direito fundamental garantido pela Constituição, o acesso à cultura segue distante da realidade de milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade.
Estudo da USP mostra que o direito à cultura é um pilar da democracia e da dignidade humana. Mas, nas bordas das cidades, a falta de investimento, de equipamentos e de políticas públicas ainda silencia a produção cultural das periferias.
O artigo 215 da Constituição Federal é claro que: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional.”
Mas, nas periferias brasileiras, esse “pleno exercício” parece uma promessa distante. Enquanto centros culturais de elite concentram recursos e visibilidade, artistas e coletivos periféricos lutam diariamente para existir — muitas vezes sem apoio, estrutura ou políticas públicas que garantam o direito que, na teoria, é de todos.
De acordo com o estudo “Cultura como direito fundamental: regras e princípios culturais”, dos pesquisadores Gustavo Assed Ferreira e Andrei Rossi Mango, da Universidade de São Paulo, a Constituição de 1988 marcou um avanço histórico ao tratar a cultura como um direito fundamental.
Os autores destacam que a Carta Magna é considerada uma “Constituição Cultural”, pois prevê, nos artigos 215, 216 e 216-A, a obrigação do Estado de garantir o acesso, valorizar, incentivar e difundir as manifestações culturais.
Ou seja, o direito à cultura não é um luxo, mas uma dimensão essencial da cidadania, tão importante quanto saúde ou educação, áreas em que os mais pobres também são frequentemente negligenciados.
Na prática, porém, o cenário é desigual.
A maioria dos equipamentos culturais — como teatros, cinemas, museus e centros de arte — está concentrada nas áreas centrais das grandes cidades. Nas bordas urbanas, onde vive a maior parte da população negra e periférica, faltam espaços públicos, editais acessíveis e políticas continuadas de fomento.
A ausência de investimentos e a burocracia reforçam uma barreira invisível. Projetos culturais da periferia, muitas vezes, não têm acesso aos editais de incentivo, seja pela falta de informação, seja pela dificuldade em atender às exigências legais.
Assim, a promessa de “universalização do acesso” transforma-se em uma frase bonita no papel — mas sem eco no cotidiano.
O artigo da USP reforça que a cultura está diretamente ligada à dignidade humana e à liberdade de expressão.
Nas periferias, essa expressão se manifesta em batalhas de rima, saraus, festas de rua, grafites e coletivos culturais que transformam realidades locais em arte e denúncia.
Mesmo sem apoio institucional, esses movimentos constroem o que os autores chamam de “pluralismo cultural”, um dos princípios constitucionais da cultura, que reconhece a diversidade e impede que o Estado imponha uma cultura oficial.
“A cultura periférica é o retrato vivo do que a Constituição promete, mas o poder público ainda não entrega”, resume o sociólogo e produtor cultural imaginário João Ribeiro, da zona leste de São Paulo.
O estudo aponta também o princípio da participação popular, que garante que a sociedade deve ser protagonista na formulação das políticas culturais.
Nas periferias, essa participação se dá de forma autônoma, com coletivos e artistas organizando feiras, cineclubes e festivais independentes. No entanto, a ausência do Estado, que deveria ser um “suporte logístico”, e não um obstáculo, transforma o que deveria ser um direito em mais uma prova do abandono e da negligência em relação à população periférica.
Para que o direito à cultura seja efetivo, é preciso mais do que boas intenções constitucionais.
É necessário fomento contínuo, acesso simplificado a editais, infraestrutura nas periferias e educação cultural desde a infância.
A cultura, como concluem Ferreira e Mango, é um instrumento de cidadania e base da democracia, mas continua sendo tratada como um privilégio.
“Sem cultura, não há pertencimento, e sem pertencimento, não há democracia”, afirmam os autores.
Enquanto a Constituição reconhece o direito à cultura como fundamental, as ruas das periferias mostram que esse direito ainda é conquistado “na marra” e com muita resistência.
Nas bordas das cidades, a arte continua sendo o caminho mais acessível para se sentir cidadão — mesmo quando o Estado insiste em esquecer onde o Brasil realmente pulsa.
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