A vida por um fio

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Em julho de 2023, Eduardo bebeu um pouco mais do que o de costume. Parecia aborrecido, embora não tenha conversado a respeito. Ele decidiu dar uma volta de carro, e contrariando os apelos da família que pedia para que ele não dirigir daquela maneira, pegou as chaves e partiu em alta velocidade até se chocar com um muro de concreto.
A uma primeira vista podemos pensar que este foi apenas mais um acidente de trânsito, contudo, o que matou Eduardo não foi a colisão. O que cortou o tênue fio da vida daquele homem aparentemente saudável e que tinha todo o futuro pela frente, foi algo muito mais sutil e complexo.
De acordo com dados da Organização Pan Americana da Saúde (OPAS), cerca 800 mil pessoas por ano perdem a vida cometendo suicídio. Diante desses dados, observamos que este é um sério problema de saúde pública. Além das perdas inestimáveis, o suicídio também traz sérios impactos a família e as pessoas próximas em diferentes graus. Por esta razão, é necessário abordarmos este tema tão delicado.
Para compreender melhor, o conceito de suicídio é quando o indivíduo intencionalmente tenta causar a própria morte. Normalmente esse comportamento se apresenta na sequência de três ações: ideação suicida, tentativa de suicídio e o suicídio. Para entender é necessário analisar cada uma dessas três etapas:
Ideação suicida, uma semente sombria que cresce na mente
A primeira etapa perceptível para o suicídio é conhecida como ideação suicida. Nessa fase o indivíduo premedita como vai realizar, mas ainda não decidiu se vai tomar essa atitude ou não. A ideação surge como uma pequena semente e vai se expandindo na mente e aos poucos tomando forma. O indivíduo começa a pensar na morte com muita frequência e aos poucos começa a planejar com detalhes como realizaria esse ato.
É importante lembrar que nessa fase ainda não há evidência de que essa ideia realmente vá se concretizar. Esses são apenas pensamentos que circulam na mente e que muitas vezes podem ser sintomas de outras doenças psicológicas como depressão, ansiedade ou transtornos de humor.
Os dados apontam que 83,3% dos casos de ideação incidem no auge da adolescência, momento de maiores conflitos existenciais. Entre os casos estudados, a prevalência incide na faixa etária de 15 e 16 anos de idade. Durante a adolescência esta reação pode ser desencadeada por problemas típicos desta fase, como dificuldade em fazer amizades, baixa autoestima ou por outros mais complexos como depressão, ausência ou negligência dos pais e/ou cuidadores, violência física, abusos psicológicos, bullying, entre outros tantos motivos.
Jovens que tem pouca interação social, advindas de lares desestruturados, com ambiente escolar negativo ou que fazem uso de substâncias como álcool e drogas, tem mais chances de evoluírem para quadros mais graves. Por isso, esses primeiros sinais de alerta não devem ser ignorados. Em muitos casos, o acompanhamento psicológico pode ser a melhor solução para que eles abandonem estes pensamentos.
Quando as fibras começam a se romper
O homem sempre teve o desejo de compreender as causas da morte. Os antigos romanos, acreditavam que havia três divindades chamadas de Parcas, que teciam os fios da existência humana. Em seu tear, elas trançavam os fios criando as conexões entre as pessoas e os altos e revés da vida. Também eram elas que decidiam o momento exato de cortar o fio, ocasionando assim na morte do indivíduo.
Compreender as causas da tentativa suicídio definitivamente não é uma tarefa fácil, pois ela não é ocasionada por um único fator, mas de uma intrincada e complexa rede de fatores biológicos, sociais, genéticos. Também é relevante esclarecer que a pessoa que tenta se matar não deseja cortar o fio da vida, mas deseja desesperadamente se se livrar da dor, mesmo que para isso tenha que morrer.
De acordo com o artigo publicado na Revista Valore, quem comete o suicídio costuma realizar de dez a quarenta tentativas sem sucesso. Por isso, o fato de alguém ter tentado se matar não deve ser interpretado como encenação ou como forma de chamar atenção. Esse pode ser um sinal claro de que a pessoa está passando por grande sofrimento psicológico uma dor tão grande que faz desistir de todas as outras coisas positivas.
O apoio da família e dos amigos nesses momentos também é crucial para que o indivíduo se sinta acolhido. Além de medicação e acompanhamento psicológico, algumas vezes é necessário a internação para garantir que a pessoa não cause dano a si mesma.
Uma corda de salvação
Nos últimos anos os casos de depressão e ansiedade tem aumentado consideravelmente o número de tentativas de suícidios e a pandemia fez os números dispararem. Além das razões citadas anteriormente, outros fatores econômicos e socioculturais têm grande influência. As relações sociais têm se tornando cada vez mais superficiais, núcleos familiares desestruturados e a correria do dia a dia impedem que as pessoas tenham tempo de qualidade para estreitar os laços afetivos. As redes sociais demostram um simulacro de felicidade constante, onde a satisfação é orientada pela lógica capitalista, ao mesmo tempo a sociedade exige que todos sejam bem-sucedidos. Por estas e outras razões, algumas pessoas se sentem incapazes de atender a todas as demandas e decidem cortar o fio antes da hora.
De acordo com a Agência Câmara, no Brasil, acontece uma morte por suicídio a cada 45 minuto. Estudos indicam que o suicídio é segunda causa de morte entre adolescentes de 13 a 19 anos, por isso é tão importante investigar o contexto em que estão inseridos para promover espaços de reflexão e desenvolver as medidas necessárias que combatam esse mal como grupos de apoio, atividades que privilegiem a interação social. Jogos e atividades esportivas também ajudam a mitigar o desejo de morte.
Também é necessário consolidar um plano de “pósvenção”, para apoiar a família que perdem alguém querido. Muitas pessoas acabam se sentindo culpadas por não ter identificado os sinais ou por não ter conseguido impedir que o pior acontecesse. Ao perder um ente querido, as pessoas ficam completamente desorientados, confusas e vulneráveis, por isso há o risco que mais alguém do grupo realize alguma outra tentativa.
Existem situações que favorecem ideias suicidas como: perda do emprego, crise financeira, discriminação sexual, agressões físicas e/ou psicológicas, conflitos familiares, crises conjugais, doenças crônicas, vulnerabilidade financeira entre outras. Segundo o Ministério da Saúde, há formas de prevenir o suicídio, ou mesmo tentar reconhecer os primeiros sinais:
- Fique atento a manifestações verbais repetida de desesperança;
- Preocupação exagerada com a morte ou desmotivação constante;
- Repetição de expressões como: “quero desaparecer”, “quero nunca mais acordar” e etc.;
- Isolar-se sem querer conversar, não atender telefonemas;
- Diminuição ou ausência de autocuidado, descuidar da aparências ou falta de higiene pessoal;
Como ajudar:
- Tente conversar e ouvir o que a pessoa tem a dizer;
- Apoie a procurar ajuda médica;
- Evite deixar a pessoa em risco sozinha;
- Se a pessoa já tentou suicídio anteriormente, as chances que ela tenta novamente são grandes. Por isso, assegure que ela não tenha coisas perigosas como medicamentos, produtos químicos ou de limpeza, material cortante próximo.
Onde buscar ajuda:
- Projeto Base – é uma organização não governamental que promove a educação e saúde mental para crianças, adultos e adolescentes nas favelas de Osasco;
- Centro de Valorização da Vida – realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, 188 (ligação gratuita);
- CAPS e Unidades Básicas de Saúde – Caps são serviços de saúde de caráter aberto e comunitário voltados aos atendimentos de pessoas com sofrimento psíquico ou transtorno mental;
- UPA 24H, SAMU – prestam atendimento emergencial (ligação gratuita 192).
Assim como na lenda das parcas, o trançado dos fios da vida, de vez em quando, pode acabar se embolando com os problemas. Se você se identificou ou conhece alguém que esteja passando por dificuldades, apoie e a oriente a procurar ajuda. Quando as pessoas têm uma rede de apoio ao seu redor, é mais fácil superar as dificuldades e se reconectar com a vida.
E lembre-se, não importa o quanto as coisas pareçam difíceis, criar laços sempre é melhor do que cortar os fios!