A luta pela literatura negra nas escolas
Por Matheus Leitão
Quantos livros de autores negros você já leu na escola? Essa pergunta traz uma reflexão sobre a implementação de autores negros nas leituras obrigatórias dentro do currículo oficial de ensino. A lei 10.639/2003 tornou obrigatória a inclusão da cultura e história afro-brasileira nos currículos escolares de Ensino Fundamental e Médio, porém casos como o do livro O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, censurado por suposta linguagem inadequada, comprova que o tema racismo ainda é sensível dentro do ambiente escolar.
A criação de leis que incluam a cultura e história afro-brasileira no currículo escolar é um avanço na conversa sobre a implementação da literatura negra nas escolas, mas, por outro lado, mostra o apagamento sofrido por muitos desses autores e diz muito sobre como o racismo é visto na nossa sociedade. Escritores como Bárbara Carine surgem como potência na luta por um ensino decolonial, ou seja, um ensino que trabalhe a partir de uma ótica negra e não embranquecida. A criação da Escolinha Maria Felipa é o resultado de todo o estudo e dedicação da educadora.
Durante os anos escolares, as crianças são como esponjas, absorvendo muitas informações. A falta de inserção da literatura negra nas escolas dialoga muito com a sociedade brasileira, a negação do racismo está atrelada a um mito de uma sociedade racialmente igualitária, que romantiza o período escravocrata no Brasil. E as escolas têm o papel de orientar e introduzir o tema, já que jovens e crianças passam grande parte do tempo nesse ambiente.
Dentro do âmbito escolar, por muitas vezes a literatura é utilizada para o ensino de análises gramaticais, o que não é um problema, porém quando se esquece o valor cultural literário pode-se causar incômodo. A leitura de autores negros traz para os alunos uma visão sobre a narrativa de momentos históricos sem uma ótica embranquecida, aponta as origens de crianças e jovens negros, criando uma autoestima que resulta na formação do seu próprio eu. Jeferson Tenório, ao ter seu livro censurado por uma diretora de escola em Santa Cruz do Sul, enaltece a importância da formação de leitores críticos, que pensam e refletem sobre a sociedade em que vivemos.
O professor de história da rede estadual de ensino em Osasco, Daniel de Souza, traz pontos importantes para a discussão. Daniel afirma que a literatura negra ainda está descolada da rotina dos alunos e que até existem programas de incentivo à leitura. Entretanto, o professor acredita que a literatura no âmbito escolar precisa ser vista como algo prazeroso para os alunos e não como uma responsabilidade, já que ela tem por função a identificação e representação do leitor em relação ao texto.
Segundo o professor, a literatura negra encontra resistência no ensino escolar por diversas questões, sendo a principal delas o fato de o racismo estrutural ainda ser um dilema. Muitos educadores acreditam que o tema não deve ser abordado com as crianças, o que se deve a vieses políticos ligados à ideia de democracia racial no Brasil. Ele ainda ressalta que incentivar a literatura negra faz com que as crianças pensem mecanismos novos em relação aos espaços falsos que a nossa sociedade dissemina como comuns.
Daniel exalta a lei 10.639/2003 como uma conquista dos movimentos negros brasileiros, além de apontar que a construção das aulas precisa olhar para a literatura negra. Ela é uma ferramenta extremamente importante para que crianças e jovens negros se desenvolvam sem resumir sua história e cultura apenas ao período escravocrata brasileiro. Como exemplo, o professor citou sua tese de mestrado sobre um livro de ficção científica que trabalha o gênero literário como uma forma de imaginar um futuro diferente para crianças e jovens.
A literatura negra é, acima de tudo, um expoente da luta negra no Brasil, mas também uma forma de ocupar espaços elitizados. Ela aponta um futuro em que crianças e jovens negros sonhem caminhos novos, conquistando espaços que durante muito tempo lhe foram negados.