A brasilidade da periferia: a designer Mônica faz da ancestralidade sua marca

(Foto: Arquivo Riddim)
Uma designer, nascida e crescida em Perus, chamou a atenção de um país europeu com seu trabalho. Ela foi convidada por uma revista e marca lusitana para viajar até Portugal e realizou um editorial exclusivo partilhando suas experiências e referências.
Mônica Barboza – fundadora da Riddim Cloth –– confecciona seus figurinos com inspiração na sua vivência periférica e seu contato com a cultura jamaicana. Seu estilo único a fez ser convidada pelos portugueses.
“Foi esse o meu grande start. O que mais me marcou nessa viagem foram essas memórias: de voltar realmente para a estrutura da moda brasileira e me apresentar e mostrar essa nossa diversidade”, conta.
A figurinista de 35 anos evidencia a importância do contato com a comunidade e das habilidades que desenvolveu desde a infância em sua casa para a concepção da marca.
Da criança criativa para estreante no cenário
Mônica nasceu na zona noroeste de São Paulo, em um bairro periférico que ela explica ser “repleto de cultura, resistência e criatividade”.

Aos 3 anos de idade, já cortava os panos de chão de sua mãe e confeccionava roupas para suas bonecas.
“Desde muito pequena, tive um instinto criativo forte e a moda surgiu para mim de maneira natural. Minha casa era simples, mas cheia de vida e afeto. Minha mãe, com paciência e carinho, costurava as peças à mão ou improvisava amarrações para finalizar as criações”, ressalta.
Ela diz que, apesar de ter sido um “ato ingênuo”, essas memórias da infância já simbolizavam uma vocação para transformar tecido em identidade.
Na adolescência, sua conexão com a moda ficou ainda mais evidente. A jovem customizava suas próprias roupas para frequentar os bailes Black de São Paulo.
16 anos de identidade na passarela

Então veio a grande oportunidade: aos 16 anos de idade, a designer foi convidada a promover um desfile com as peças que criou no CEU Perus, devido à sua identidade visual forte e por ser uma pessoa conhecida no universo do hip hop na região.
“Esse desfile foi muito mais do que um evento de moda. Ele representou um grito de resistência e celebração da nossa identidade”, afirmou. Também relatou que as modelos eram suas amigas, todas elas mulheres pretas e indígenas.
“Juntas, mostramos que a moda periférica é rica, expressiva e carregada de história. Ali percebi que moda não era apenas sobre roupas, mas sobre representatividade, cultura e empoderamento”, explica.
Ela conta que utilizava “camisetões” para fazer vestidos. Essa técnica é conhecida como upcycling (reciclagem em inglês), movimento da moda de notoriedade, popularizado naquele período.
Projeto de graduação e de vida
Quando fez 18 anos, a designer realizou seu primeiro curso de corte e costura em uma ONG. Conforme desenvolveu a habilidade de figurinista, ganhou também o apoio de sua mãe na atividade.
Em seguida, ingressou na faculdade Santa Marcelina no curso de Design de Moda, em que ela afirma ter sido “quase sempre a única aluna preta”.
Então, ao fazer seu trabalho de conclusão da graduação, os bailes de Dancehall (gênero musical jamaicano) que muito frequentava serviram de inspiração para criar sua própria marca.

“Ali eu conseguia entender toda essa estrutura, toda essa linguagem que ainda é diferente. Corporal, de movimento, de personalidade. Essa atitude era algo que me chamava a atenção. Pessoas que não têm medo da sua autoexpressão, e que valorizam muito essa expressão através da ancestralidade”, diz.
Ao juntar essas referências jamaicanas com a técnica ancestral de trançar cabelos crespos, passada entre as mulheres de sua família, Mônica Barbosa fundou a Riddim Cloth, em 2014.
A Riddim
A Riddim é descrita como uma marca de streetwear e street fashion (vestimenta e moda das ruas) que combina personalidade, ancestralidade e conceito. Com tranças que cobrem o corpo como vestimenta e um nome que é a versão jamaicana da palavra Rhythm, que significa “ritmo” em inglês.
Porém, mesmo com o conceito bem estabelecido, Mônica afirma ter dificuldades por não ter em quem se espelhar, tanto na vida pessoal quanto na moda afro na periferia, onde só encontrava referência no multiartista Alexandre dos Anjos.
Diz ainda que, desde a criação, convive com problemas financeiros que “limitam, mas não impedem” a Riddim. A designer, enquanto CEO do empreendimento, afirma estar em busca de investidores para expandir o alcance da marca pelo mundo.
As cores da brasilidade em expressão jamaicana

A fase atual da empresa é marcada pela recente entrada de Vinícius Cosmo, produtor musical, multiartista e novo sócio da Riddim. A parceria com Vinícius ajudou a expandir o empreendimento para além das passarelas.
A empresária está organizando bailes jamaicanos para promover o lançamento de novas coleções. Também está nos planos fortalecer a conexão com artistas da cena do reggae e do dancehall, além de desenvolver um site.
Mônica evidencia que segue se inspirando no bairro Perus todos os dias ao observá-lo com os “olhos poéticos”.
“Desde a vizinha fofoqueira, às crianças que correm na rua. Toda aquela sonoridade, todas as cores que esse lugar me emite, toda essa sensação de lembrança. De repente eu estou lá, escuto um ícone do reggae que eu amo, Edson Gomes, e aí uma Ana Carolina, e depois escuto, sei lá, um funk pesadão. Ali é um universo de brasilidade que eu estou inserida”, relata.
A figurinista diz que, apesar de Perus ser uma periferia, essa estrutura mencionada a motiva muito e a ajudou a moldar a maneira como enxerga o mundo.
“Eu voltei de Portugal com muito mais sede, com muito mais brilho nos olhos e com mais vontade de conquistar não só diversos países, mas também o mundo. A moda periférica é capaz de alcançar esses lugares que, diariamente, a gente tem todo esse reforço externo de mundo, de estruturação e até mesmo de racismo, que a gente não é capaz de chegar”.