Da cultura à decisão: como Okan transforma ativismo LGBTQIAP+ em incidência política na periferia

 Da cultura à decisão: como Okan transforma ativismo LGBTQIAP+ em incidência política na periferia

Foto do arquivo do entrevistado.

Jornal a Borda

Por Nahiana Marano

Entre rodas culturais, assembleias e audiências, Okan mostra como a política acontece no chão da comunidade: com voz no palco, ofício no e-mail, cadeira nos conselhos e, sobretudo, cuidado com as pessoas.

Começo da história

Okan se define, antes de tudo, como alguém crítico desde a juventude. Ele conta que se alimentou da música brasileira para formar seu entendimento sobre política. Aos 13 anos, já participava de grêmios estudantis, e foi aí que tudo começou. Desde então, e não por acaso, a cultura virou porta de entrada para um jeito muito concreto de fazer política. Aliás, se precisasse escolher apenas uma cena para explicar seu ativismo, escolheria esta: “dar voz à jornalista Dani Avelar para denunciar o descumprimento dos direitos humanos no extermínio em Gaza, no palco, entre as atrações.” Foi simbólico, e, ao mesmo tempo, estratégico: ali, o microfone virou política pública em voz alta.

Da cultura à incidência, sem perder o território

Com o tempo, e principalmente com a prática, Okan foi costurando pontes. De um lado, a atuação nos coletivos @coletivoemfrente e @semearmente.oficial (perfis do instagram); de outro, o aprendizado da linguagem institucional. Assim, a roda, o sarau e a parada deixam de ser “só evento” e, pouco a pouco, viram pauta, ofício, ata e encaminhamento. Ou seja: a cultura permanece como coração do trabalho, mas a incidência passa a ser o seu pulso.

Por onde entrar: portas que se abrem (e algumas que rangem)

Quando precisa falar com o poder público, Okan costuma começar pelas secretarias, especialmente Cultura e Cidadania e Direitos Humanos. Segundo ele, a participação frequente em assembleias e convenções ajudou a criar canais de diálogo. Entretanto, há um alerta que não dá para ignorar: a violência organizacional. Mesmo em estruturas criadas para acolher, a discriminação ainda aparece, às vezes velada, às vezes direta. Portanto, o caminho é duplo: insistir no direito de participar e cuidar de quem participa.

Quando a cultura vira pauta oficial

Na prática, algumas ações culturais já entraram na agenda do poder público. Okan cita as Paradas LGBT de 2023 e 2025 e sua atuação como delegado de cultura em 2024. Além disso, houve participação em audiências e sessões solenes sobre a construção do Fundo Municipal de Cultura, tanto na Câmara de Osasco quanto na Alesp. Em outras palavras: o ciclo se repete: do evento ao ofício, da fala pública ao encaminhamento. Assim, a mobilização deixa marcas oficiais.

Conselhos, delegações e a papelada que muda a vida

Ainda nesse caminho, Okan foi delegado de direitos humanos estadual e conseguiu encaminhar 2 de 3 propostas para Brasília. Por motivos de trabalho, uma companheira seguirá com a defesa final. Paralelamente, levou 2 propostas à convenção de cultura do estado. Pode parecer burocrático, mas, olhando de perto, é exatamente esse “quebra-cabeça” de documentos que transforma dor coletiva em agenda pública.

Resultados, limites e honestidade com o processo

E quanto às respostas concretas do bairro? Okan reconhece que não tem um caso para mencionar agora, embora acredite que sim, que ações da rede têm gerado respostas. No entanto, o que importa — e ele insiste nisso — é manter o processo ativo: protocolar, acompanhar, cobrar e registrar. Porque, sim, há avanços; contudo, também há barreiras que não dá para varrer para debaixo do tapete.

Interseccionalidade que vira método

Para Okan, interseccionalidade não é discurso, é prática. Ele resume: ouvir os pares, orientar e aprender o tempo todo, numa construção “de dentro pra fora, tanto em nós como no outro”. Na prática, isso encurta a distância entre gênero, raça, classe e território e as decisões do dia a dia. 

Relação com o Legislativo e reconhecimento de linguagens

No diálogo com vereadores(as) e comissões temáticas, Okan aponta dois frutos importantes: a construção da Parada LGBT e o reconhecimento da cultura ballroom como patrimônio imaterial. É um passo relevante, sobretudo porque legitima linguagens e corpos que, muitas vezes, a política institucional insiste em não enxergar. Ainda assim, ele lembra: repressão e apagamento, por vezes intencionais e, em outras, velados, seguem como os maiores obstáculos. Por isso, a resposta é fortalecer rede, guardar comprovantes e seguir à vista de todos.

Mobilização: do post ao convite impresso

Para mobilizar a comunidade, o repertório é amplo e complementar: ofício, convite formal, redes sociais, reuniões, impressos e falas em eventos culturais ou em espaços de outros movimentos. Afinal, um post ajuda, mas a presença nos equipamentos e a conversa olho no olho ainda fazem muita diferença. Em resumo: a convocação nasce no digital, porém cresce mesmo é no território.

Para quem quer começar

Se alguém pergunta “por onde eu começo?”, Okan não complica: “Busque por movimentos no seu território; se não tiver, construa um.” Primeiro, aproxime-se de coletivos que já existem. Depois, encontre seu lugar — comunicação, logística, pauta, mediação. Em seguida, ajude a transformar a conversa em documento. E, por fim, não desista no primeiro “não”.

Por fim, Okan escolhe uma frase que atravessa o texto e aponta um projeto de futuro:
“Menos investimento em armas e mais investimento em educação, saúde e cultura.”

Nahiana Marano

É graduada e mestre em Direito, atua na Consultoria Técnica Legislativa da Assembleia Legislativa do Ceará, com foco em direitos humanos. Já integrou a coordenação de direitos humanos da UNILAB e foi suplente da presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero na instituição. Autora de artigos acadêmicos, une experiência técnica e compromisso social.

1 Comment

  • Your blog is a constant source of inspiration for me. Your passion for your subject matter is palpable, and it’s clear that you pour your heart and soul into every post. Keep up the incredible work!

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *