Virada de carreira: do escritório ao estúdio de tattoo

Por Renata Bottiglia

Muny Ramos nunca imaginou que viveria de arte. Durante anos, sua rotina foi similar à de muitos brasileiros: trabalhava com RH em um escritório de contabilidade, lidando com planilhas, relatórios e tarefas burocráticas. Era um trabalho que oferecia segurança, mas pouco espaço para a criatividade. 

Descoberta artística

A mudança de rota teve início quando conheceu Koringa, seu atual marido, que trabalha como tatuador. No começo da relação, ele a apresentou a esse novo universo, onde a artista se descobriu de verdade. “Me apaixonei duas vezes: por ele e pela tatuagem.” 

Deixar o escritório para viver da arte parecia arriscado, mas se revelou libertador. “É natural ter dúvidas quando saímos da zona de conforto. Nossa mente tenta nos sabotar. Mas, quando essa fase é superada, vem a certeza de que estamos exatamente onde deveríamos estar.” 

No início, lembra ela, era comum que alguns clientes buscassem segurança em profissionais mais experientes. “Tinha cliente que dizia: ‘prefiro fazer com o Koringa, ele já tem mais experiência’. E não está errado, né? Mas os que confiaram em mim desde o começo têm um lugar especial no meu coração, foram eles que alimentaram meu sonho quando ele ainda engatinhava.” 

Mas antes mesmo de atender clientes, Muny decidiu sentir na própria pele o que é tatuar. “Assim que decidi me tornar tatuadora, tinha plena consciência da responsabilidade que isso traz. Tatuar algo na pele de alguém é muito sério, e eu queria entender na prática o que a pessoa sente naquele momento. Então, nada mais justo do que eu mesma ser minha primeira cliente”, conta. Sua primeira tatuagem foi uma borboleta na coxa, que mantém até hoje, um símbolo do início da sua trajetória. Depois disso, começou a praticar em cobaias voluntárias, como seu irmão, até se sentir segura para atender clientes e cobrar pelo seu trabalho. 

Caminho empreendedor 

Muny atua como tatuadora há nove anos, e essa trajetória foi marcada por diferentes fases. O estúdio onde trabalha é fruto de um projeto conjunto com o marido. “Comecei atendendo no espaço que ele havia aberto em Guarulhos. Depois, nos mudamos para Moema, onde começamos em uma sala dentro de um salão de cabeleireiro, até conquistarmos nosso próprio espaço: o Koringa Tattoo Shop.” 

Durante a pandemia de COVID-19, o casal decidiu se instalar em Embu-Guaçu, onde fica o atual estúdio. “Nessa parte do empreendedorismo, não enfrentei tantas dificuldades: foi um processo de evolução natural”, explica. 

A estabilidade financeira, no entanto, é um desafio constante. “A maior dificuldade, na verdade, é lidar com o fato de que somos responsáveis pelo próprio salário. Quando se é CLT, há aquela segurança do pagamento fixo todo mês, mas na vida de tatuador, a realidade é diferente: há meses muito bons e outros bem parados. Então precisei trabalhar meu psicológico para lidar com essa instabilidade — afinal, tatuadores também têm seus perrengues”, conta rindo. 

Quanto à divulgação, a própria artista gerencia todo o processo de maneira intuitiva e orgânica, sem recorrer a estratégias de marketing. “Acredito que a autenticidade conecta. Cada publicação tem um pouco da minha verdade e do amor que coloco em cada tatuagem”, conta. 

Tatuagem delicada como forma de expressão 

Hoje, a tatuadora assina traços delicados e autorais, que podem ser encontrados em redes sociais como Instagram (@munytattoo). Ela se identifica especialmente com o estilo fine line, que traz traços finos e sutis, além de detalhes minimalistas. 

Quando questionada sobre suas referências, ela explica: “Admiro o trabalho de muitos tatuadores, cada um com sua essência e forma única de expressão, mas não diria que me inspiro em alguém específico. O que realmente me inspira é a arte em si, a possibilidade de transformar sentimentos, ideias e histórias em algo eterno na pele.” 

Arte e cultura da quebrada em destaque 

Além do estúdio, Muny também está à frente do Kasa Clan Cast, o primeiro podcast de Embu-Guaçu voltado à cultura e aos artistas locais. Como artista da quebrada, ela usa esse espaço para valorizar quem movimenta a região: “A arte e a cultura salvam vidas. A ideia é dar voz a quem transforma a cidade, mostrar que o talento local tem poder.” 

Essa rede de apoio se estende a parcerias com comércios do seu entorno — lojas, salões de beleza, confeitarias — que, juntos, promovem sorteios e eventos culturais. “Todo final de mês fazemos ações entre os clientes. É uma forma de crescer juntos, fortalecer o comércio e a arte da área.” 

Traços que contam história

Entre tantas histórias que já tatuou, uma se destaca: a da própria mãe. “Quando fiz minha primeira tatuagem escondida, ela quase arrancou meu couro”, conta, rindo. “Vim de um lar evangélico, onde tatuagem era tabu. Mas o tempo passou, o olhar dela mudou… e um dia ela mesma quis tatuar ‘Jesus’ com uma florzinha.” Foi um momento simbólico, que marcou uma transformação para ambas. 

Hoje, Muny considera seu trabalho muito mais que estética: uma oportunidade de escuta e troca. “Ser tatuadora é uma experiência intensa: registrar trajetórias, sentimentos, ganhar a confiança das pessoas. Cada tatuagem carrega uma história própria e deixa um pedacinho da minha. Não tem preço.” 

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