Ensinar na periferia: a saúde mental dos professores sob pressão e esperança

Por Maria Cipriano
Dar aulas na periferia é enfrentar uma rotina que mistura esperança e esgotamento. Entre salas superlotadas, falta de reconhecimento e pressões por resultados, os professores carregam um peso que vai além da lousa: a necessidade de manter a própria saúde mental para seguir em frente.
A professora Beatriz Rodrigues de Proença Delamutta, 29 anos, que leciona em uma escola pública de ensino médio na periferia, traduz essa realidade em sentimentos. Para ela, o maior peso da profissão é o não reconhecimento, mas é justamente ali que também encontra forças. “Um bombom, um agradecimento ou até um simples ‘como você está?’ já mudam meu dia”, conta.
Entre a cobrança e a indisciplina
O desafio de lidar com adolescentes em um contexto de vulnerabilidade social exige paciência redobrada. Beatriz ainda não enfrentou episódios graves de violência, mas convive com a indisciplina e com a pressão de mostrar resultados.
Essa sensação é compartilhada por milhares de docentes. Uma pesquisa do IPEC em parceria com o Todos Pela Educação e o Instituto Península (2022) revelou que 71% dos professores brasileiros relatam sentir-se estressados devido à sobrecarga e às cobranças de desempenho.
A pandemia como divisor de águas
Na periferia, a pandemia de Covid-19 intensificou desigualdades e deixou marcas profundas na educação. Beatriz, professora eventual, ficou dois anos sem salário, o que para ela foi uma experiência de frustração e incerteza.
Estudos reforçam esse impacto. A Universidade Estadual de Maringá (PR) identificou aumento de ansiedade, depressão e burnout em docentes durante e após o ensino remoto.
Já a Universidade Federal de Santa Maria (RS) registrou 161 afastamentos de professores por transtornos psíquicos entre 2020 e 2023, com pico em 2022.
Na rede estadual de Campinas (SP), foram 12,8 mil licenças médicas por saúde mental em dez anos, representando 37% de todos os afastamentos de docentes.
Entre desgaste e vocação
Apesar das pressões, Beatriz encontra motivação no que chama de “força da sala de aula”: a possibilidade de mudar o futuro de alguém. “Posso transformar a vida de uma pessoa com o ensino, um elogio ou até mesmo um gesto de afeto”, afirma.
Esse aspecto vocacional, no entanto, não deve ser romantizado. Uma pesquisa da Nova Escola em parceria com o Instituto Ame Sua Mente (2022) apontou que 21,5% dos professores avaliam sua saúde mental como ruim ou muito ruim. Entre os sintomas mais comuns estão ansiedade (60,1%), cansaço extremo (48,1%) e distúrbios de sono (41,1%).
Na periferia, esses fatores se agravam diante de condições de trabalho precárias, insegurança e sobrecarga, aumentando o risco de adoecimento e evasão da carreira.
Um pedido à sociedade
Para Beatriz, o que falta não são apenas recursos, mas valorização, paciência e compreensão. Sua mensagem ecoa como recado à sociedade: os professores também são seres humanos, e cuidar deles é cuidar do futuro da educação.
Inspirada por Frida Kahlo, ela resume sua luta com uma frase:
“Pés, para que os quero, se tenho asas para voar?”
Dar asas aos alunos da periferia é a missão diária de Beatriz e de tantos outros educadores. Mas para que esse voo aconteça é preciso garantir que quem ensina também tenha condições de seguir em pé.