Setembro Amarelo: as várias camadas de prevenção ao suicídio

Por muitos anos, conversar sobre saúde mental e suicídio era praticamente um tabu devido a estigmas e preconceitos por parte da sociedade. Porém, com o considerável aumento de casos de depressão, suicídio e lesões autoprovocadas entre jovens e adultos no Brasil e no mundo na década de 2010, campanhas de conscientização sobre a saúde mental e de prevenção ao suicídio ganharam mais força.
Apesar da ampla conscientização, principalmente no mês de setembro, identificar situações de saúde mental precária ou de tendências suicidas continua sendo algo complicado. Segundo a psicóloga clínica Amanda Bazan Furini, algumas pessoas podem não apresentar comportamentos suicidas devido ao fato de que “o suicídio é multifatorial”.
“De forma geral, é importante ficarmos atentos quando a pessoa fala ou escreve sobre morte e suicídio de forma recorrente, mesmo que pareça em tom de brincadeira, ou quando ela começa isolar-se socialmente evitando contato com amigos, familiares, e ausentando-se de atividades que antes considerava prazerosas, queda no desempenho escolar, acadêmico ou laboral, oscilações de humor, descuido com a própria saúde e higiene pessoal, aumento do uso de substâncias como álcool e drogas, sensação de desesperança, pesquisas sobre métodos de cometer suicídio. É sempre bom ressaltar que um sinal isolado não significa certeza, mas a combinação de vários sinais deve acender um alerta”, explica Furini.
Ao identificar conjuntos de ações consideradas prejudiciais ao bem-estar do indivíduo, o recomendado é entrar em contato com um psicólogo ou psiquiatra. Segundo Furini, “é importante destacar que o cuidado não é só clínico, mas também afetivo, social e preventivo”. Conforme a psicóloga, é preciso fortalecer a rede de apoio do indivíduo, como reforçar laços com familiares, amigos ou pessoas de confiança, oferecer espaços seguros e sem julgamentos para falar sobre os sentimentos, mostrar presença e disponibilidade afetiva, auxiliar em atividades cotidianas, incentivar a prática de hábitos saudáveis, além de restringir acesso a substâncias ilícitas e objetos que possam ser usados para automutilação.
Depressão e tendências suicidas
Apesar de existirem diversos fatores que levam o indivíduo a decidir tirar a própria vida, muitas vezes a depressão é considerada o único e/ou mais relevante fator de toda a “equação”. Segundo dados disponibilizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 60% das pessoas que cometem suicídio apresentam, sim, algum nível de depressão. Entretanto, conforme a psicanalista Sophia Thomazini de Aguiar, nem toda forma de depressão pode ser considerada um indicador prévio de tendências suicidas.
“Ainda que a depressão seja, de fato, um dos principais fatores de risco para o comportamento suicida, não significa que todas as pessoas diagnosticadas apresentarão ideias ou tentativas de suicídio. A intensidade dos sintomas, a presença de pensamentos de desesperança, o histórico pessoal e familiar, além de fatores sociais e ambientais, influenciam diretamente nesse risco”, explica Aguiar.
A psicóloga Amanda Furini complementa ao dizer que, além da depressão, outros fatores de risco, como transtornos de personalidade, transtornos psicóticos, eventos traumáticos, perdas recentes e crises, também podem desencadear tendências suicidas.
Prevenção ao suicídio nas periferias
Em meio ao cenário atual repleto de demandas, imediatismo, pressão e ansiedade, é essencial conscientizar a maior quantidade de pessoas possível sobre métodos de prevenção ao suicídio e a importância de manter uma boa saúde mental, principalmente em comunidades de periferia.
Considerando o ambiente de comunidades periféricas, a psicanalista Sophia de Aguiar destaca algumas das alternativas de acesso a serviços de saúde mental, oferecidos principalmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e também por meio de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os quais possuem profissionais e atendimentos dedicados aos mais diferentes tipos de casos.
“Além da rede pública, as clínicas-escola presentes em universidades oferecem, muitas vezes, acompanhamento psicológico gratuito que pode se tornar uma alternativa acessível para garantir o cuidado contínuo em saúde mental”, comenta a psicanalista.
A psicóloga Furini acrescenta: “Muitas comunidades contam com projetos sociais que oferecem rodas de conversa, grupos de apoio emocional e acompanhamento com profissionais voluntários, teleatendimento gratuito. Em alguns municípios, há serviços online ou por telefone de acolhimento psicológico e o Centro de Valorização da Vida (CVV) que funciona 24h por telefone e online. Apesar das barreiras de acesso, existem caminhos gratuitos e públicos que podem ser fortalecidos com informação e busca ativa”.
Entretanto, mesmo com uma gama de alternativas de acesso a serviços de saúde mental, a psicóloga Thalía Hernandes Campos destaca que ainda é necessário um maior investimento público em saúde mental comunitária. Aumentar a quantidade de CAPS, UBS com atendimento psicológico especializado, programas de prevenção, intensificar parcerias entre universidades e comunidades com o intuito de prover mais programas de extensão em psicologia e psiquiatria, uma maior capacitação de agentes comunitários de saúde para identificação precoce de risco e encaminhamento, além de campanhas locais e projetos culturais que promovam diálogo sobre saúde mental sem estigma.
“É importante ter mais campanhas semelhantes ao Setembro Amarelo, que conscientizam sobre sinais de alerta e incentivam a busca por ajuda. Já existem iniciativas como o CVV e programas comunitários de prevenção ao suicídio em escolas, universidades e empresas. Campanhas de mídia social, oficinas em comunidades e projetos culturais voltados à saúde mental também ajudam a alcançar pessoas que muitas vezes não têm contato com serviços de saúde. Quanto mais visíveis e acessíveis forem essas ações, maior a chance de salvar vidas”, afirma Campos.
A psicóloga ressalta que quanto melhor estruturadas forem essas campanhas, mais pessoas buscarão por ajuda, especialmente quando combinadas a políticas públicas de saúde mental.