De ódio ao próprio país à festa pela morte da Primeira Ministra; Liverpool FC e sua relação com a política
“Scouse not english”
Uma cidade marcada por forte imigração irlandesa, indústrias e o surgimento de um dos maiores grupos de rock, The Beatles, também tem em sua história um forte movimento nacionalista. O futebol foi a principal ferramenta utilizada para expor o nacionalismo de Liverpool, mas acima de tudo, foi a forma mais impactante de protestar contra um governo que oprimia um povo.
Durante as eleições de 2022 no Brasil, foi possível acompanhar alguns jogadores se manifestando a favor e contra o governo que estava na época, mas logo surgiram questionamentos sobre a relação da política com o futebol. Em Liverpool essa relação existe há muito tempo. Durante o governo da primeira-ministra Margaret Thatcher, a população de Liverpool foi praticamente excluída e, por muitas vezes, hostilizada por membros do governo, já que a cidade representava tudo que o governo de Thatcher queria combater.
A primeira-ministra, mais conhecida como Dama de Ferro, iniciou seu governo apontando para um combate aos sindicatos, pois temia uma onda de greves como a que ocorreu nos anos 1970. Essa ação, juntamente com a privatização de várias áreas da indústria, resultou em uma alta taxa de desemprego. E Liverpool, sendo uma cidade com forte movimento de sindicatos e mais à esquerda, não gostou do governo de Thatcher e começou diversos protestos contra a Dama de Ferro.
A localização de Liverpool se tornou um problema para o governo. A cidade está localizada a 300 quilômetros da capital, Londres. A distância fez com que Liverpool criasse sua própria cultura e costumes. Mas isso ficou mais evidente quando um dos membros do governo de Thatcher sugeriu deixar Liverpool à beira do declínio, “não gastar recursos com a cidade”. Entretanto, os Scousers, forma como os moradores de Liverpool são conhecidos, resistiram, gerando um forte incômodo no governo.
Mas o estopim para a relação entre os Scousers e o governo Thatcher ocorreu em 1989, durante as semifinais de uma das copas da Inglaterra. Durante o jogo entre Liverpool e Northern West, a polícia entrou em campo ordenando a paralisação da partida. Nas arquibancadas superlotadas do estádio de Hillsborough, torcedores do Liverpool estavam sendo pisoteados atrás da grade de um dos gols, resultando em 96 mortes e diversos feridos. Recentemente, um dos torcedores que estava na tragédia veio a falecer, e esse número se tornou 97.
Sentimentos de raiva e ódio tomaram conta da torcida do Liverpool, já que o governo, por muito tempo, culpou os torcedores pelo acontecimento. Um dos jornais mais à direita de Liverpool, The Sun, publicou reportagens que deram força à posição do governo. O resultado é que esse jornal não entra mais em Liverpool. O governo de Thatcher ignorou todos os alertas que já haviam sido dados pelos torcedores, que um ano antes tinham passado pela mesma situação de esmagamento no mesmo setor do estádio Hillsborough.
“Quando Maggie Thatcher morrer, nós vamos comemorar”, essa frase faz parte de um dos cantos da torcida do Liverpool. Para a cidade e os torcedores do clube, a Dama de Ferro era sinônimo de retrocesso, e sua morte seria comemorada. A ex-primeira-ministra faleceu na semana em que teria uma homenagem às vítimas de Hillsborough, e a única razão para ser comemorada era a morte da mais conhecida como Dama de Ferro.