Festival Literário Pretinhas promove a leitura de livros infanto-juvenil de autoras negras
O Primeiro Festival Literário Pretinhas foi realizado nos dias 23 e 24 de fevereiro na Fábrica de Cultura da Vila Nova Cachoeirinha, localizado na Rua Franklin do Amaral, 1575. O objetivo do evento é promover a leitura e a comercialização de livros de autoras negras, incentivar a diversidade e reforçar a autoestima das crianças. O festival foi realizado pela Secretaria de Cultura, Economia e Indústria do Estado de São Paulo, com o apoio do Proac, Poiesis e das Fábricas de Cultura e com direção e produção de Vilma Queiroz Produções Culturais e Renata Poskus Eventos e Comunicação.
Além da feira literária, também foram realizadas diversas atividades que incentivavam o empoderamento feminino e a cultura negra, entre elas as seguintes oficinas: de grafite, inspirada no livro “Minha Mãe é Negra Sim”; de dança, inspirada no livro “Betha, a bailarina pretinha”; de musicalidade, inspirada no livro “A menina e o tambor”; de brincadeiras africanas, inspiradas no livro “As brincadeiras africanas de Weza”; de tranças, inspirada no livro “Os mil cabelos de Ritinha”; de artes plásticas, inspirada no livro “Da cor que eu sou”; apresentação teatral “Era uma vez… Chapeuzinho Vermelho”; e, finalmente, uma Batalha de Slam das Pretinhas, com apresentação de Matriarcak.
A feira literária
O projeto selecionou por meio de um edital, 16 escritoras e quatro editoras do segmento infanto-juvenil para participar da Feira Literária. Entre as selecionadas, está a escritora e poetiza de Osasco Mônica Sena, autora do livro “Recriançar”, que por meio da poesia resgata aspectos lúdicos das brincadeiras infantis. A autora nos conta que o que a incentivou a escolher este tema foram as boas recordações que tem da casa da avó. Lembra que brincava com as tias e guarda na memória a imagem do pai brincando de jogo de pedrinhas com ela.
Para Mônica, brincar é coisa séria, pois é através das brincadeiras que a criança se desenvolve, aprende a se socializar e fortalece os vínculos, além de trazer alegria e felicidade. Seu livro é destinado a todas as faixas etárias: os pequenos descobrem a magia da poesia e os mais velhos resgatam lembranças felizes de sua infância.
Segundo a autora, este evento é muito importante para o cenário literário atual. Nele, são discutidos temas de extrema importância, como o racismo, a diversidade cultural, a aceitação e a identidade. Embora a legislação obrigue o ensino de história e cultura indígena e afro-brasileira nas escolas, muito pouco é desenvolvido.
A escola ainda não está preparada para tratar de temas como relação familiar, brincadeiras e temas da cultura africanas. Outro grande problema é a falta de material didático adequado. Autores conceituados, como Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo e Solano Trindade ainda são desconhecidos por muitas pessoas. Os livros, normalmente, retratam o negro como escravizado, submisso e marginal. Reis, rainhas e heróis negros acabam sendo excluídos da história, o que faz com que as crianças negras não se sintam representadas.
Sobre as dificuldades de entrar no mercado literário, Mônica conta que muitas autoras negras escrevem, mas não conseguem publicar seus livros. Primeiro, pela dificuldade financeira e, depois, por não saber como selecionar a editora adequada para suas obras. Ela relata que publicou os seus livros de forma independente, e que realizar todo o processo de impressão, divulgação e venda não é fácil.
Outras tiveram dificuldade de participar do evento. Esses locais são uma ótima oportunidade de conhecer e conversar com outras artistas. Compartilhar ideias com outras escritoras é muito gratificante, principalmente com autoras de temas como a valorização da mulher. Essa experiência trouxe um aprendizado muito marcante. Mônica deixa um recado às autoras negras que sonham em seguir a carreira literária: “Companheiras, não desistam do seu sonho. É possível sonhar. Faça parcerias, e usem as redes sociais para encontrar as pessoas certas que possam te ajudar. A luta é grande e difícil, mas acredite, é possível!
Entrevista com Vilma Queiroz, idealizadora do evento
Como o “Festival Literário Pretinhas” foi idealizado e quais os principais desafios para organizar um evento como este?
Já aposentada, após mais de 30 anos como professora na rede pública de ensino, desejava continuar contribuindo com ações de educação, arte, empoderamento e combate ao preconceito. Foi aí que surgiu a ideia de criar o PRETINHAS (www.pretinhas.com.br) e, com ele, projetos para crianças. Em 2023, realizei pela primeira vez um evento com apoio da Secretaria de Cultura, Economia e Industria Criativas do Governo do Estado de São Paulo, a Mostra Cultural Pretinhas da Brasilândia. Com o sucesso do evento, estudei novos formatos de projeto que não contemplassem apenas as meninas pretas, mas também as mulheres pretas adultas. Foi assim que surgiu o Primeiro Festival Literário Pretinhas. Nele, uma feira com 20 autoras pretas e editoras. E durante a programação, oficinas de arte e cultura para as pequeninas, sempre tendo um livro com personagem negro como inspiração.
Como você vê o papel dos eventos literários na promoção da diversidade e inclusão no cenário cultural atual?
Os eventos literários aproximam autores e leitores, fazendo com que haja mais diversidade e representatividade nas relações. Além disso, o diálogo, a troca com outras escritoras, as interações com o público, os autógrafos e outras leituras e conversas fazem o evento literário não ser algo isolado, mas um movimento social e político de pertencimento para autores, crianças e todas as famílias.
Qual é a importância da diversidade étnica e cultural em livros destinados às crianças?
Quando nós nos reconhecemos enquanto cidadãos, podemos agir e melhorar o mundo ao nosso redor e, a partir do respeito, reconhecemos a diversidade cultural como a riqueza das diferentes manifestações que formam a identidade de nosso povo. Dessa forma, é necessária e importantíssima esta relação de pertencimento e movimento em que a literatura infanto-juvenil traz os textos, figuras e demais elementos, além do respeito e a valorização do indivíduo enquanto potente transformador social.
Fale um pouco sobre o papel da literatura infantil na formação de identidade e autoestima das crianças negras?
Na minha infância não tive literatura com personagens negros que evidenciassem nosso valor. Quando comecei a lecionar, no início dos anos 90, a ausência de literatura com personagens negros fez com que eu criasse alguns textos para as crianças negras enaltecendo seu potencial. Evoluímos com a lei 10.639/2003. Nos últimos 20 anos, a literatura infantil começou a oferecer uma gama de opções, auxiliando no processo de identidade das crianças. O despertar de interesse para livros com diversidade étnica auxilia no desenvolvimento da linguagem da oralidade e da escrita, emocional e cultural.
Quais mudanças você espera ver no mercado editorial, especialmente em relação à diversidade e inclusão?
É importante que a indústria literária valorize mais o escritor e as obras que falem de inclusão e diversidade trazendo o respeito a todos, ampliando as possibilidades de conhecimentos, pertencimento e valorização da cultura.
Quais os benefícios de participar e desenvolver eventos para os artistas negros e para a comunidade em geral?
Com 54 anos e já decidida a aproveitar a minha aposentadoria viajando o mundo, percebi que meu trabalho ainda é necessário. Posso continuar contribuindo na construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e livre do racismo. Continuar em contato com crianças e poder criar projetos que dão oportunidade para arte-educadores, artistas e demais trabalhadores da cultura negros me deixa orgulhosa, foi assim com o Pretinhas da Brasilândia e com Primeiro Festival Literário Pretinhas.
Como você espera que esse evento contribua para o cenário literário?
Espero que mais mulheres negras se sintam inspiradas a escrever e que as editoras percebam essas autoras. No desenvolvimento do projeto, abrimos um edital para que as editoras que possuíssem livros publicados por autoras negras também pudessem participar e percebemos o desdém de grandes editoras. Para elas, talvez nosso evento fosse pequeno, mas para suas autoras não. Apenas as editoras Paulus, Paty, Kitembo e Aziza se inscreveram. Percebemos que as escritoras correm sozinhas atrás da publicação e divulgação de seus livros. Para as iniciantes, se souberem que existem eventos literários que as abrace, apoie e valorize, muitos sonhos podem virar livros. Quero que a sociedade valorize os novos autores e suas produções e que esta literatura faça a diferença na sala de aula e fora dela.
Poderia compartilhar alguma história marcante ou comentar algum momento mais impactante durante o evento?
Muitos momentos nos emocionaram. A escritora Karaúba, afro-indígena, lançou seu livro “Boneca de Milho” no Primeiro Festival Literário Pretinhas, um livro que carrega a ancestralidade da autora, com histórias da infância de sua mãe. Ao vender o primeiro exemplar, ela ficou muito emocionada, seus olhos se encheram de lágrimas. Vimos um sonho se realizando.
Para fechar, existe alguma mensagem que você gostaria de deixar aos nossos leitores e para aqueles que sonham em seguir na carreira literária?
Que acreditem em seus sonhos e ajam, lutem por seus objetivos. Existem muitos editais governamentais e de iniciativa privada para publicação de novas obras de autoras negras. O importante é persistir. Para nós, negros, o caminho nunca é fácil em qualquer esfera, e na literatura não é diferente. Mas ele é possível, acredite!