Como é trabalhar e estudar vivendo nas periferias do Brasil

 Como é trabalhar e estudar vivendo nas periferias do Brasil

A população da periferia tem, felizmente, conquistado cada vez mais espaços que são dominados pelas classes altas e majoritariamente brancas. O acesso à educação de qualidade e às instituições de ensino superior por moradores das periferias tem sido mais debatido nos últimos anos. As discussões incluem questões como a dificuldade financeira, evasão escolar e preconceito. No entanto, isso ainda ocorre de forma lenta e discriminatória, e, mesmo após o enfrentamento de todos esses obstáculos, o estudante e o trabalhador da periferia se deparam com entraves em seu crescimento acadêmico e profissional.

Segregação Urbana e mobilidade

Em primeiro lugar, destaca-se a questão geográfica: os grandes centros comerciais e empresariais estão localizados longe das periferias. Enquanto empresas e instituições educacionais buscam se estabelecer em áreas mais valorizadas das cidades, para se aproximar da população com maior poder financeiro, as regiões periféricas são deixadas de lado. Assim, um estudante que entra as oito horas da manhã em sua aula deve acordar muito mais cedo devido ao longo percurso; da mesma maneira, chegará mais tarde em casa, afetando seu tempo de descanso, estudo, lazer, convívio com a família e amigos, prática de esportes e tempo livre. Ou seja, a dinâmica de locomoção que os moradores das periferias enfrentam resulta, muitas vezes, em uma exaustão física e/ou mental.

Recentemente tem se observado o crescimento de universidades dentro ou mais próximas a regiões periféricas, como tentativa de aproximação com seus moradores. O Instituto das Cidades, por exemplo, um dos campi da Universidade Federal de São Paulo, localizado em Itaquera, zona leste de São Paulo, foi implementado devido à mobilização popular iniciada em 1986. Denominada “Universidade do Trabalhador”, o Instituto contou com movimentos populares e figuras importantes como Paulo Freire. Segundo Luis França, ativista social que participou das mobilizações, o conhecimento deve ser democratizado e “toda universidade tem que ir para onde o povo está”.

Conciliação entre os estudos e trabalho

Outro desafio presente nas periferias é a necessidade de conciliar estudos e trabalho, especialmente para os jovens que precisam ajudar financeiramente suas famílias. Além dos prejuízos à saúde, a rotina exaustiva pode levar esses jovens a enfrentarem maiores dificuldades para acompanhar o conteúdo de seu curso, por terem menos tempo para estudar e se dedicar às atividades acadêmicas extracurriculares. Um exemplo, é a dificuldade que o estudante que também trabalha tem para realizar um estágio, que apresenta remuneração baixa, para ganhar experiência e se inserir em sua área no mercado de trabalho.

Exclusão e discriminação

A lei de Cotas, sancionada desde 2012, reserva vagas nas instituições de ensino, federal e particular, para estudantes vindos de escolas públicas, além daqueles autodeclarados pretos, pardos, indígenas e quilombolas, mas dados mostram que apenas recentemente a quantidade de cotistas de fato passou a crescer nas universidades. Na USP, por exemplo, somente em 2021 o número de alunos de escolas públicas atingiu mais da metade de matrículas. Neste cenário, percebe-se a ocorrência de discriminação e exclusão. Em entrevista para a BBC News Brasil, Thiago Torres, conhecido na internet como “Chavoso da USP”, conta sobre diversos momentos hostis que passou na universidade por conta de sua classe. Entre eles, um episódio em que foi parado pela Guarda Universitária, que exigiu a apresentação de sua carteirinha de estudante. Em publicação no Facebook, ele expõe sua frustração ao perceber a diferente realidade entre alunos e como isso coloca alguns em uma posição de privilégios. Além disso, as diferenças socioeconômicas afetam também as relações sociais dos alunos de periferia, uma vez que há divergências nas rotinas, tipos de eventos e estabelecimentos frequentados, produtos consumidos, visões de mundo, entre outros. 

No mercado de trabalho também há cenários semelhantes: a maior dificuldade em se especializar, devido às condições socioeconômicas e culturais, afeta diretamente no crescimento profissional de certos grupos. Ainda, a população preta enfrenta, até os dias atuais, episódios explícitos de discriminações raciais no ambiente de trabalho e desigualdades salariais. Segundo o portal de recrutamento Vagas, a diferença da remuneração entre brancos e negros chega a 42% nos cargos de gerência.

Políticas de permanência nas Universidades Públicas  

Apesar dos desafios, desde 2010 o governo federal estabeleceu o PNAES (Plano Nacional de Assistência Estudantil), que visa apoiar alunos de baixa renda durante a graduação nas instituições federais de ensino. O programa conta com moradias estudantis, bolsas de auxílio, alimentação, transporte, assistência à saúde, entre outros. Ademais, muitas universidades apresentam suas próprias ações para promover a permanência estudantil.

Apesar das mudanças promissoras, o ambiente acadêmico e o mercado de trabalho ainda não são suficientemente inclusivos com a população periférica. Para que isso ocorra são necessários mais investimentos em infraestrutura, criação de centros educacionais, políticas eficazes de permanência nas universidades, combate à discriminação e ampliação do acesso à educação de qualidade e à especialização.

Jornal Aborda

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